Livro: Cova 312
Autor (a): Daniela Arbex
Editora: Geração Editorial
Páginas: 342
ISBN: 9788581302737
Sinopse: Menos de dois anos depois de seu surpreendente Best-seller de estreia, “Holocausto Brasileiro”, Daniela Arbex volta com mais um livro corajoso e revelador. Escrito como um romance, nele se conta a história real de como as Forças Armadas mataram pela tortura de um jovem militante político, forjaram seu suicídio e sumiram com seu corpo. Daniela Arbex reconstitui o calvário deste jovem, de seus companheiros e de sua família até sua morte e desaparecimento. E continua investigando até descobrir seu corpo na anônima Cova 312, que dá título ao livro. No final, uma revelação bombástica muda um capítulo da história do Brasil. Uma história apaixonante, cheia de mistério, poesia, tragédia e sofrimento.
A repórter especial do jornal Tribuna de Minas — onde trabalha há vinte anos — lançou agora seu segundo livro, que foi originado de uma série de matérias iniciadas em 2002 a respeito das famílias desestruturadas pela ditadura militar. Depois de seu primeiro livro, “Holocausto Brasileiro” (eleito o Melhor Livro-Reportagem do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte, e o Segundo Melhor Livro-Reportagem no Prêmio Jabuti), onde denunciou os maus tratos aos moradores de um hospício de Minas Gerais, Daniela Arbex entra agora com outra denúncia polêmica, que mexe com antigas feridas de uma época de trevas no Brasil.
Tudo começa quando, em março de 2002, uma Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura é instaurada em Minas Gerais, com o objetivo de investigar os casos de presos políticos desaparecidos durante a Ditadura Militar e determinar um pagamento de indenização às vítimas de tortura e, para o caso de mortes, às famílias das vítimas. A jornalista Daniela Arbex se interessa pelo caso e pensa em fazer uma reportagem sobre o assunto, planejando ir atrás dessas vítimas e de suas famílias, e recolher material para uma matéria sobre um assunto que queria escrever a muito tempo: a ditadura militar brasileira.
Depois de algumas pesquisas e contatos com o deputado Nilmário Miranda, na época presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, Daniela chegou até os casos dos presos da penitenciária de Linhares, e descobriu que o único preso político que havia morrido (e o corpo nunca encontrado) foi Milton Soares de Castro, da guerrilha do Caparaó. Segundo o exército, ele havia se suicidado por enforcamento dentro de sua cela. Ao saber de toda a história, Daniela tomou uma decisão: não iria descansar enquanto não encontrasse o corpo de Milton.
Ainda naquele ano de 2002, muitas matérias a respeito dos casos dos presos de Linhares saíram em destaque no Tribuna, com Daniela à frente de toda a investigação. E em dois meses de procura, chegou finalmente a descobrir a sepultura onde Milton havia sido enterrado (a Cova 312), no Cemitério Municipal de Juiz de Fora. A matéria saiu como o grande destaque da vez. Daniela finalmente havia encerrado sua missão. Mas, não havia. Ela queria ir mais além, e decidiu que, para se dar por satisfeita, investigaria tudo o que ocorreu com Milton até a hora de sua morte, que coincidiu com um interrogatório regado a muita tortura — o que dava uma centelha de certeza à jornalista de que, na verdade, o que ocorreu não fora suicídio.
Com a ajuda de amigos, especialistas e pessoas que fizeram parte da vida de Milton — seus irmãos, seus companheiros de batalha e de penitenciária —, Daniela não só chegou à verdade dos fatos, como também contou a história de todos aqueles que lutaram por um país sem opressão, sem temores: e que por isso foram presos, torturados, mortos.
“Conhecer os episódios de vida e de morte dos militantes políticos me deu a oportunidade de desvendar um Brasil que ainda teme seus fantasmas e se acovarda diante do peso da culpa [...] Fazer silêncio diante de uma nação que foi esfacelada pela violência no passado e continua reproduzindo seus métodos de tortura e exclusão do período do arbítrio é compactuar com crimes dos quais podemos nos tornar vítimas. Pior que isso: reeditar nas ruas do país marchas pela ordem clamando o retorno da ditadura é desconhecer os anos de sombra que envolveram o Brasil [...]”
O contato que tive com livros-reportagens se resumem a Euclides da Cunha e sua escrita formal,
cheia de detalhes narrados com uma frieza jornalística característica. Apesar
de ter o mesmo gênero, é aí que “Cova 312” mostra seu diferencial: a autora entra na realidade fria de um jeito
“morno”, com sua afiada sensibilidade em
relação a toda aquela investigação. Já havia ido a uma apresentação a respeito
de seu primeiro livro, “Holocausto Brasileiro”, e mesmo com todos os pontos positivos que citaram sobre
a obra de Daniela, não conseguiram me preparar para o impacto que essa sua
outra obra teve sobre mim.
A narrativa é comum para o gênero — em terceira pessoa, com um narrador observador (realmente falando,
alguém que apurou os fatos para contar uma história). Porém, há capítulos em
que Daniela, ao narrar sua experiência com a investigação em primeira pessoa, torna-se informal, diferente de quando
narra a história investigada. Em muitos momentos, ela até recriou os diálogos (produtos de relatos de entrevistados e de suas
gravações com as pessoas que teve de consultar durante sua jornada), ou seja,
não é aquela narrativa linear de sempre, somente cheia de informações cruas.
Houve um “algo a mais”, um
envolvimento, que acaba sendo contagioso
para quem lê (perdi a conta de quantas vezes meus olhos marejaram).
“Revolver o passado é vital para se fazer justiça e para consolidação do estado democrático de direito”.
Não esperava que num
livro-reportagem houvesse tantos detalhes
pequenos e que, no fundo, faziam tanta
diferença! Isso tudo lembrava que não estávamos lendo mais uma dessas
reportagens que vemos nos noticiários todos os dias, em que as pessoas são
tratadas como meros números (é comum vermos a velha fórmula de se noticiar: “X
pessoas morreram hoje durante um assalto numa loja Y”). Mesmo os personagens
menos importantes para a construção da
reportagem tinham os nomes completos citados, e suas breves histórias de
vida contadas.
Também houve outro ponto que
enriqueceu bastante a obra: Daniela foi
clara em como conseguiu iniciar e terminar aquele projeto que determinara para
si. Não foi como se todos aqueles dados que apresentou tivessem surgido do nada
em suas mãos. Ela mostrou que o caminho para chegar até ali fora difícil,
árduo. Foram
meses e meses de dedicação
para algo que ela realmente só conseguiu concluir em meados do ano passado —
mas, que, como ela deixou bem claro
,
ficará marcado em sua carreira e em suas lembranças para sempre.
Todo o material que conseguiu
recolher foi em prol de uma busca incessante a respeito de Milton Soares de
Castro — onde havia sido sepultado e como se deu sua morte —, portanto, ele poderia ser visto como o personagem
principal. Mas isso não aconteceu.
A verdade é que cada personagem citado, cada história de vida contada, foi de
grande destaque para compor o todo, por isso, me isento de destacar um só personagem, assim como a autora também
pareceu se isentar em seu último capítulo. Ela foi fiel à vida de cada um, envolvendo-se em seus detalhes, em como
suas vidas transcorreram antes, durante, e depois da prisão.
Apesar de Daniela ter se comovido (e também os leitores) com a
história de todas as pessoas que sofreram e passaram por inúmeras sessões de torturas e repressões, ela não fez mais do que contar a verdade; não houve apelação, e muito menos chegou a
transformar as vítimas em bravos heróis. Ela não omitiu o fato de que, em meio a suas lutas, os militantes
esquerdistas cometeram crimes — entre eles assaltos e homicídios, latrocínios
gravíssimos. Um ex- agente do exército da época deu um depoimento à
jornalista, afirmando que não apoiava as torturas e a opressão, mas se o desejo
dos militantes se concretizasse, a ditadura iria persistir, só mudaria de lado,
portanto, suas prisões haviam sido necessárias. Em momento algum Daniela
escolheu um lado. Sua ética foi polida
perfeitamente.
A narrativa não foi organizada
linearmente. Em cada capítulo, a autora intercalou
diferentes histórias, acrescentando a elas fatos aleatórios e sua experiência com eles. Apesar de isso parecer
meio confuso em alguns momentos, foi um meio para rechear a história e prender
os leitores, para que o desfecho fosse
aguardado cada vez mais ansiosamente. Como havia sempre muita coisa a ser
adicionada ao contexto, não foi
cansativo, nem cheio de rodeios. Laurentino Gomes, autor do prefácio e
também do livro “1808”, resumiu muito bem “Cova 312”: “O tema pode parecer
pesado [...], difícil de digerir. Seria assim se não fosse a capacidade
prodigiosa de Daniela Arbex de transformar
histórias trágicas em uma narrativa fluida, atraente, poética e, em alguns
momentos, até divertida”.
Desde a capa, até as imagens
interiores que compõem cada capítulo, foram formadas pelas fotografias
registradas nas matérias feitas pela escritora para o Tribuna, algumas em
exclusividade para o livro, e todas retratadas para mostrar a realidade de tudo o que foi contado. Todas as
comprovações estão ali, diante de nosso olhos, juntamente com a grande
reportagem — um conjunto que dá vida à obra.
“Cova 312” possui todas as características esperadas de
um livro-reportagem de qualidade. Lançado ainda no mês passado (maio/2015),
acabou de “sair do forno”, então, o que se pode esperar é um tempo de
reconhecimento por parte do público — o que, quem sabe, pode render mais
prêmios, pois arriscaria dizer que a obra
é digna disso. E ela não se formaria sem uma autora e sua fidelidade para com a verdade, o que,
particularmente, me impressionou, e por isso, gostaria de dar as minhas sinceras congratulações. Uma
verdadeira obra jornalística que completa, com maestria, mais um relato
instigante de um dos episódios que deixaram profundas sequelas na história do Brasil.
Primeiro parágrafo do livro:
"Nos últimos anos, poucas atividades humanas tiveram a sua morte anunciada de forma tão enfática e frequente do que o jornalismo. Novas tecnologias digitais tornariam irrelevantes jornais, revistas, livros-reportagens, programas noticiosos de rádio e televisão, como se fossem relíquias inúteis do passado que a sociedade moderna precisasse descartar o mais rapidamente possível."
Melhor quote:
I. “Diferente dos vilões que enfrentou quando criança, porém, pessoas de carne e osso eram muito mais conhecidas do que as imaginárias. Não se dividiam simplesmente entre boas e más e poderiam se machucar de verdade”.
II. “Por isso a ditadura precisa ser lembrada. Não para falar mais do mesmo, mas para que se possa avançar no levantamento dos casos e na luta pela abertura eficiente e efetiva de nossos arquivos”.
Oi Bianca..
ResponderExcluirParece que Daniela gosta de fazer denúncias em forma de livros, e eu adoro uma leitura assim. Sua resenha é a segunda que vi deste livro e confesso que estou cada vez mais curiosa para ler.
Mesmo sendo um livro em formato jornalístico, eu não vejo problemas, pois o assunto é muito interessante.
livrosvamosdevoralos.blogspot.com.br
Olá Letícia!
ExcluirObrigada pelo comentário! Que bom que ficou interessada em lê-lo! É realmente uma história cativante, e o tema, além de polêmico e envolvente, constrói um pedaço bem importante na história de nosso país.
Abs :)