Livro: A Assombração da Casa da Colina
Título Original: The Haunting of Hill House
Autor (a): Shirley Jackson
Editora: Suma
Páginas: 237
ISBN: 978-85-5621-063-1
Sinopse: Vista por mestres como Stephen King e Neil Gaiman como a rainha do terror, Shirley Jackson entrega um livro perturbador sobre a relação entre a loucura e o sobrenatural. Sozinha no mundo, Eleanor fica encantada ao receber uma carta do dr. Montague convidando-a para passar um tempo na Casa da Colina, um local conhecido por suas manifestações fantasmagóricas. O mesmo convite é feito a Theodora, uma alma artística e “sensitiva”, e a Luke, o herdeiro da mansão. Mas o que começa como uma exploração bem-humorada de um mito inocente se transforma em uma viagem para os piores pesadelos de seus moradores. Com o tempo, fica cada vez mais claro que a vida, e a sanidade, de todos está em risco.




Shirley Jackson nasceu em São Francisco, Califórnia, em 1916, e faleceu em 1965. Uma das principais autoras americanas do século XX, considerada a Rainha do Terror, influenciou escritores como Stephen King, Nail Gaiman, Sarah Waters, Nigel Kneale e Joane Harris. A assombração da Casa da Colina foi seu penúltimo romance, publicado em 1959, quando Jackson já sofria com graves problemas de saúde causados pelo fumo e pelo uso excessivo de medicamentos. Seu trabalho é aclamado pelo público e pela crítica. Além de A assombração da Casa da Colina, a Suma também publicou Sempre Vivemos no Castelo, o último romance da escritora.

    O doutor em Filosofia, John Montague, sempre sentiu que sua vocação estava ligada ao âmbito das análises de manifestações sobrenaturais. Ao tomar conhecimento da Casa da Colina, uma enorme habitação localizada em um lugar remoto, sobre o topo de uma colina, ele logo se enche de fôlego para analisar o mistério que a cerca. Ao vasculhar a história da casa, o dr. Montague percebe que os antigos moradores nunca passaram mais que cinco dias no lugar, mas não sabem relatar exatamente a experiência que passar alguns dias na casa lhes proporcionou. Para realizar a análise, o doutor convida algumas pessoas, que segundo suas pesquisas, já passaram por experiências de cunho sobrenatural antes, e por isso estariam aptas a fazer observações pertinentes. 
    Entre os escolhidos, estavam Eleanor Vance e Theodora, duas mulheres muito diferentes: Eleanor vivia às custas de sua irmã e do marido dela depois da morte da mãe, da qual cuidou durante muitos anos, o que a fez perder a maior parte de sua juventude. Ressentida com os rumos de sua vida, ela se sente revigorada quando recebe o convite do dr. Montague, pois acredita que finalmente poderá fazer parte de algo relevante e talvez consiga ter amigos. Enquanto isso, Theodora (que não usa seu sobrenome, e gosta de ser chamada apenas de Theo), muito curiosa e extrovertida, divide um apartamento com uma amiga e é uma jovem mulher independente. Theo fica empolgada em embarcar nos mistérios da Casa da Colina e aceita o convite sem pensar duas vezes. 
    Eleanor e Theo foram as únicas que realmente compareceram, além de Luke Sanderson, o herdeiro da Casa da Colina, e considerado por sua tia – a verdadeira dona da casa – um ladrão mentiroso. A condição era que um membro da família estivesse presente durante o tempo em que o dr. Montague e suas acompanhantes ficariam na casa, e por isso Luke foi. Aos poucos, eles vão desvendando os mistérios que rodeiam o casarão, conhecem melhor a história de seus primeiros moradores e criam uma relação regada de amor e ódio – pela casa e entre eles.

    Sempre ouvi falar de Shirley Jackson como um das grandes referências na literatura de terror, além de ser uma influência clara para Stephen King, o mestre do terror psicológico – e apenas lendo A assombração da Casa da Colina, pude observar o porquê de tal influência. Livros de mistério e terror sempre me deixam muito empolgada, e as histórias criadas por King hoje figuram entre minhas favoritas do gênero. Porém, nunca havia lido nada desse estilo escrito por uma mulher, e sentia a necessidade de ter essa carga, afinal, considero também uma forma de representatividade – e não pude ficar mais satisfeita.
    A escrita de Jackson é diferente de tudo que já li. Ela tem uma maneira de envolver o leitor na história que pode soar muito peculiar para quem tem o primeiro contato com a autora através deste livro. Tomando Eleanor sob o foco narrativo principal, Jackson nos põe dentro dos pensamentos da personagem, nos apresentando todos os seus sentimentos, suas impressões acerca da casa e de seus novos amigos, além do medo que sente em determinados momentos. A narrativa em terceira pessoa não interfere nem um pouco nessa imersão.

"– Tudo é pior – ele afirmou, olhando para Eleanor – quando você acha que tem alguma coisa te olhando" (p. 116).


Livro: O Destino de Tearling
Título original: The Fate of the Tearling
Autor (a): Erika Johansen
Editora: Suma
Páginas: 358
ISBN: 978-85-5651-058-7
Sinopse: Desde que assumiu o trono de Tearling, Kelsea Glynn passou de princesa inexperiente a rainha destemida. Sua busca por justiça fez com que todo o reino mudasse com ela, mas quando os inimigos que fez ao longo do caminho ameaçam destruir seu povo, ela toma uma decisão inimaginável: se rende à Rainha Vermelha em troca de salvar Tearling. Sem as safiras, sem seus homens de confiança e trancafiada em Mortmesne, Kelsea precisa de novo recorrer ao passado, às experiências de mulheres que viveram antes dela, buscando em suas histórias a saída para uma situação impossível. O jogo está para terminar, e o futuro de Tearling será revelado de uma vez por todas. Com O destino de Tearling, Erika Johansen traça o clímax inesquecível dessa aventura cheia de magia e emoção.


TRILOGIA "TEARLING"
    3.  O Destino de Tearling

Felipe Erika Johansen, de 35 anos, cresceu e mora na San Francisco Bay Area. Estudou na Swarthmore College, completou seu mestrado na Iowa Writer's Workshop e mais tarde se tornou advogada. Johansen decidiu começar a escrever quando viu Stephen King, seu escritor favorito, ganhar o National Book Award em 2003, até que em uma noite de 2007, ela sonhou com o mundo de Tearling. Alguns dias depois, Erika assistiu a um discurso de Barack Obama que lhe deu inspiração para criar Kelsea, a heroína da série. Os direitos de filmagem foram comprados pela Warner Bros, tendo Emma Watson escalada como a protagonista. A frente do projeto está David Heyman, produtor de filmes como Harry Potter e O Menino do Pijama Listrado.

    Este terceiro e último livro dá continuidade aos eventos de A invasão de Tearling, onde Kelsea é presa como refém pela Rainha Vermelha e lhe dá as safiras tear em troca da promessa de que a Rainha não ataque Tearling por ao menos três anos. Porém, os planos de ambas são frustrados: as safiras não funcionam nas mãos da Rainha e os soldados mort estão se rebelando contra ela – desde que fez a promessa a Kelsea, a Rainha ordenou a retirada de todos os soldados, sem que tivessem direito a  saques e pilhagem, o que os chateou –, passando a trabalhar sob o comando de outro superior. Os soldados mort, então, se voltam contra Tearling. Fetch, disfarçado de Levieux, atiça a revolta entre os civis e tenta derrubar a falsa estabilidade de Mortmesne baseada na tirania da Rainha Vermelha. O reino tear se vê indefeso: sem Kelsea para defendê-los e com o exército desfalcado, Clava, o regente e capitão da Guarda Real, decide que precisa tomar medidas urgentes, sendo obrigado a escolher entre o reino e Kelsea.
    Além disso, o fato de Kelsea ter libertado Rowland Finn (o demônio que falava com a Rainha Vermelha através do fogo) contribuiu para que o caos se espalhasse em todos os reinos. Row precisava da coroa desaparecida, que se encontrava sob posse do Pe. Tyler desde os acontecimentos no segundo livro. Com uma grande recompensa para que o encontrassem (tanto do reino de Tearling quanto da igreja), o padre continuava sumido. Culpando-se pela libertação de Row, Kelsea se une à Rainha Vermelha, que, relutante, admite que precisa de sua ajuda. Mesmo sem as safiras, Kelsea consegue ter vislumbres do passado, mas desta vez ela não está mais no corpo de Lily, e sim no de Katie, uma garota que nasceu na Nova Londres pós-travessia.
    Katie era a melhor amiga do jovem Row, de apenas catorze anos. Ambos pertenciam à nova geração que nasceu logo depois da travessia, assim como o filho de Lily e William Tear, Jonathan Tear – conhecido pelas histórias como o segundo depois de William Tear e assassinado misteriosamente. Kelsea já tinha conhecimento que Row e Fetch foram os responsáveis pelo assassinato de Jonathan, mas através de Katie vê como tudo se desenrolou. Conhecendo o jovem Row e suas ambições, seu lado gentil com Katie, seus primeiros passos com o uso de magia das trevas, etc., Kelsea se pergunta se não apenas pode ver o passado, mas também modificá-lo, e principalmente: quais consequências alterar o passado traria para o presente?

"Força é o que sobra quando todas as outras opções foram exauridas" (p. 316).

    Estava ansiosa pelo desfecho dessa trilogia, não pensei duas vezes antes de começar a ler assim que o livro chegou. O primeiro não me deixou muito animada, apesar de a proposta ter sido interessante. Com o segundo, consegui me prender totalmente a trama, pois não somente vi o desenrolar dos fatos no mundo de Kelsea, como também o mundo em que vivemos totalmente devastado por corrupções, desigualdade e tirania, percebendo que o livro era muito mais que uma mera ficção. O terceiro trouxe um pouco da fórmula dos outros e muito mais. Sendo a trilogia Tearling a estreia de Johansen no meio literário, posso afirmar que abriu com chave de ouro esse extenso caminho.
    A escrita de Johansen é bastante descritiva e se prende a detalhes. Apesar de isso ser um problema para algumas pessoas, todos esses detalhes e descrições são essenciais para fazer da história o que ela é e permitir que nos envolva. Com os dois primeiros livros, demorou mais do que eu esperava para que a narrativa se tornasse frenética. Porém, em O destino de Tearling, a ação é notável desde as primeiras páginas e o ritmo absorve automaticamente, tornando o ato de largar o livro uma missão quase impossível. O narrador em terceira pessoa foca em vários personagens e faz com que entremos em suas histórias, emergindo no fantástico mundo criado por Johansen. 
   Kelsea, a protagonista, está mais forte do que nunca. Foi maravilhoso ver sua evolução. Enquanto no primeiro ela ainda era uma menina dando seus primeiros passos ao assumir o trono de um reino que mal conhecia, no segundo ela buscava não apenas justiça, mas sangue, dando vida a "dama de espadas" – uma espécie de outro "eu". Por fim, no terceiro, ela consegue encontrar o ponto de equilíbrio entre suas personalidades conflitantes e descobrir mais sobre si mesma – o poder que possui, as safiras, seu passado, sua família, etc. Mesmo não concordando com todas as suas atitudes, é impossível não admirar essa personagem forte e determinada, com uma beleza fora dos padrões – exatamente o oposto do protótipo já formulado de "mocinha" que temos na literatura e em outros produtos.
    Evelyn Raleigh, a Rainha Vermelha, também teve seu espaço na história. Depois de conhecermos melhor seu passado no segundo livro, suas atitudes se tornam mais claras. Mortmesne está desmoronando aos poucos e a Rainha vê como única alternativa se unir a Kelsea. Foi interessante observar a interação entre as duas personagens, pois uma é o oposto da outra, mas têm pontos em comum e havia até certa empatia regando a inusitada aliança. Fetch, que era visto por muitos como um mocinho disfarçado de vilão, tem suas fraquezas reveladas e seu senso de moral – praticamente nulo – começa a despontar. Quando Katie entra em cena, através das visões de Kelsea, nos deparamos com outra personagem forte e que, apesar de se sentir confusa a respeito das intenções de Row, seu grande amigo de infância, sabia diferenciar o certo do errado.
   A partir desses vislumbres do passado, começamos a conhecer Row e a realidade em que ele vivia: o Tearling em seus primeiros sinais de civilização, muito antes de levar esse nome – apenas Nova Londres –, ainda vivendo aquilo que William Tear havia idealizado desde o princípio. Também vemos como todo esse sonho ruiu. Outros personagens entram em cena, como Javel, o antigo guarda do portão que está em missão em Mortmesne em nome de Kelsea; Aisa, que em determinado momento da trama decide superar os traumas do passado e trilhar o próprio caminho; Brenna, a bruxa que busca vingança em nome de Allan Thorne; Ewen, o carcereiro da Fortaleza que sonha em se tornar um Guarda Real, entre outros. Todos são muito bem trabalhados, cada qual com suas características e motivações.

"– Uma população descontente vai desgastar até o estado mais seguro. Mas mesmo se a segurança fosse algo possível de se alcançar pela força, Lear, pergunte a si mesmo: quanto a segurança é importante? Por ela é válido minar regularmente todos os princípios sobre os quais uma nação livre foi fundada? Que tipo de nação você vai ter, então?" (p. 298).

  Como falei antes, a trilogia Tearling não se resume a uma distopia com cenário medieval ao fundo. Johansen claramente utiliza uma série de referências que tangem a nossa realidade. A todo momento as personagens de Kelsea e Katie se questionam sobre os seus princípios – até onde devem ir para fazer o que é correto? Vale mesmo a pena se igualar a seus inimigos para defender aquilo que acredita? Uma série de questões morais permeiam todo o enredo, e mostram que nem mesmo as melhores personagens estão livres de cometer erros. Johansen criou um mundo fictício que serviu como a metáfora perfeita do nosso mundo: ideias feitas para funcionar, mas que sempre acabam em catástrofe quando envolvem ambições e egoísmos próprios do ser humano. Ela trabalha o conceito de ideologia envolvido na formação do Tearling para mostrar que as boas intenções podem ser transformadas em algo ruim quando postas em prática. No segundo livro, vemos William Tear idealizando "o mundo melhor" – como dizia o lema de seu movimento –, mas neste desfecho vemos como esse mundo ruiu e se transformou no caos governado por Kelsea.
   A história aponta, em suas entrelinhas, o perigo de ideologias mal interpretadas e aplicadas, o quão fácil é para nós esquecermos do passado (e como diria Nitzsche, por isso estamos fadados a viver um ciclo eterno, onde faremos todas as coisas se repetirem. É o que diz Cazuza também em O tempo não para: "eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades"). Também mostra o quão arriscado é concentrar o poder nas mãos de um só líder e como isso pode ser o fio tênue para chegar ao autoritarismo – pois, por mais que William Tear não desejasse essa alcunha, bastou que todos os vissem como ditador para que ele se tornasse um e, consequentemente, resvalando o sentimento para Jonathan.
  O desfecho foi satisfatório para mim. Os mistérios formados no início da trilogia se abriram gradualmente ao longo do livro, tornando a história um grande quebra-cabeça, mas ainda deixou muitas pontas soltas (que como a própria autora disse, ficarão mesmo sem respostas, e pediu perdão por isso). Ela também comenta, em seus agradecimentos, o seu grande objetivo ao escrever uma trilogia como essa, e, por incrível que pareça, ele corresponde exatamente ao que senti desde o primeiro livro:

"[...] estou determinada a fazer esse reino ecoar a vida, onde respostas às nossas perguntas não são entregues em um pacote lindo com uma fita, mas precisam ser conquistadas, por experiências e frustrações, às vezes até lágrimas (e, acreditem, nem todas essas lágrimas são de Kelsea). Às vezes, as respostas não vêm".

  A capa deste último livro continua combinando bem com a dos dois primeiros (azul e vermelho, respectivamente). Adotar cores vivas deu um toque especial à trilogia, obtendo magia por toda parte quase literalmente. As ilustrações que ajudaram a ornamentá-la a fizeram ainda mais bonita que as originais, publicadas pela editora americana HaperCollins. A Suma mais uma vez está de parabéns, pois mudou sua marca, mas felizmente a qualidade permanece. Não encontrei erros de tradução ou revisão e a diagramação polida vista nos dois primeiros continua presente. O mapa no início (presente também nas versões originais) foi de grande ajuda, mas continuo sentindo falta de ver um mapa completo, que abranja toda uma página (ou que sangre para duas, como normalmente ocorre).
   No final das contas, tudo o que queremos é um mundo melhor, assim como William Tear, Lily Freeman, Kelsea Glynn, Clava, Pen, Aisa, Pe. Tyler e até mesmo Evelyn Raleigh. Um mundo onde nossas vidas têm valor e são cercadas de respeito e solidariedade mútuos. O que a trilogia Tearling ensina é que, mais do que lutar, precisamos acreditar naquilo que estamos lutando. Johansen recheou sua história de magia e ficções inacreditáveis como visões e viagens no tempo, de um clima medieval estranho a nós, leitores contemporâneos. Mas também pôs muita verdade: sistemas políticos baseados em corrupção e ambições, ricos ficando cada vez mais ricos, pobres ficando cada vez mais pobres, fundamentalismo religioso que privilegia grupos específicos, entre outras coisas pelas quais estamos cercados. Por isso, apesar de se tratar de uma história fictícia, provavelmente foi uma das melhores trilogias que já tive o prazer de conhecer. Finalizo esta resenha (e este ciclo de Tearling) indicando os três livros não apenas como passatempo, mas como leituras realmente necessárias.

Primeiro parágrafo: "Muito antes de a Rainha Vermelha de Mortmesne chegar ao poder, o Glace-Vert já era uma causa perdida. Não passava de uma área de taiga esquecida na sombra das montanhas de Fairwitch: as planícies endurecidas possuíam apenas uma leve sugestão de grama, e os poucos vilarejos eram meros aglomerados de cabanas e brejos. Poucos arriscavam se aventurar ao norte de Cite Marche se não houvesse outra opção, pois a vida naquelas planícies era dura. A cada verão os aldeões de Glace-Vert sofriam com o calor sufocante; a cada inverno, congelavam e passavam fome".
Melhores quotes: "O erro da utopia é presumir que tudo vai ser perfeito. A perfeição pode ser a definição, mas nós somos humanos, e mesmo para a utopia levamos nossas dores, erros, invejas e desgostos. Não podemos renunciar aos nossos defeitos, mesmo com a promessa do paraíso no horizonte, e, por isso, planejar uma nova sociedade sem levar em conta a natureza humana é destinar essa sociedade ao fracasso".




Livro: Sol e Sonhos em Copacabana
Autor (a): Aliel Paione
Editora: Pandorga
Páginas: 381
ISBN: 978-85-8442-221-0
Sinopse: Jean-Jacques Chermont Vernier, jovem diplomata francês, chega ao Rio de Janeiro durante o governo Campos Sales, em 1900. Vem ao Brasil para trabalhar na embaixada da França como consultor econômico. Descendente de tradicional família de diplomatas, pertencentes à nobreza francesa, Jean-Jacques é induzido à carreira diplomática pela insistência de sua mãe, a condessa De Chermont. Jovem, idealista e romântico, Jean-Jacques sente-se decepcionado ao deparar-se com a aridez de seu trabalho, que confronta sua personalidade sensível e boêmia, ou sua maneira de encarar a vida. Jean-Jacques conhece, no cabaré Mère Louise, em Copacabana, uma mulher lindíssima, Verônica, e é dominado por uma paixão avassaladora. Verônica é uma tirana de corações, capaz de levar um homem do céu ao inferno com a mesma facilidade com que as folhas secas são sopradas pelo vento. Ele é correspondido, então iniciam um romance que, para Jean-Jacques, significa a plenitude de sua sensibilidade amorosa e estética. Porém, ela é amante de um respeitável senador da república, o senador José Fernandes Alves de Mendonça, que trabalha com o ministro da fazenda de Campos Sales, Joaquim Murtinho, nas negociações do Funding Loan. Tem-se, então, um triângulo amoroso de consequências e desdobramentos surpreendentes. Durante a narrativa, são efetuadas análises críticas históricas sobre a vida política e econômica do Brasil pertinentes à república velha, conexões que se estendem à época contemporânea. O cabaré Mère Louise realmente existiu na época e local descrito.

José Roberto é natural de Varginha (MG), engenheiro, Mestre em Ciências e Técnicas Nucleares pela UFMG, onde trabalhou no departamento. Atualmente, é Professor de Física na PUC. Porém, são atividades secundárias perante o seu amor e vocação literários. Aliel Paione é o pseudônimo que adotou em homenagem à sua esposa, que se chama Leila. Sol e sonhos em Copacabana é seu primeiro livro, publicado pela Editora Pandorga.

    Desde a infância, o francês Jean-Jacques Chermont Vernier sonha com o Brasil através das histórias de seu avô, que afirma já ter conhecido a terra brasileira e suas belezas. Quando enfim cresce, Jean-Jacques mergulha em estudos voltados para o Direito, a burocracia, a diplomacia – exatamente o oposto do que queria para si, sendo ele um amante das artes e tendo a pintura como um hobby quase sagrado. Porém, acaba sendo transferido para trabalhar no Brasil, como consultor econômico da Embaixada Francesa. As obrigações burocráticas seriam as mesmas para o jovem sonhador, mas o ambiente, não: finalmente ele poderia se deparar com o cenário deslumbrante descrito por seu avô.
    O pano de fundo é o Brasil de 1900, durante o governo de Campos Sales onde a política café com leite ainda predominava na chamada República Velha. Jean-Jacques passa quase um ano inteiro residindo no Brasil e para ele é tempo suficiente pra observar o quanto a política brasileira estava infestada de aproveitadores que compunham a elite oligárquica da época e tinham como objetivo enriquecer às custas da impotência e ingenuidade da população. Em meio a tantas decepções nos mundos político e econômico, uma coisa ainda afaga o coração de Jean-Jacques: a beleza do Rio de Janeiro da época – em especial de Copacabana – e sua paixão por pintura. Nada agradava mais a Jean-Jacques que contemplar as belezas naturais da cidade.

"Chegara ao Brasil no início do Governo Campos Sales, e logo se entranhou na vida econômica e política do país. Nação propícia a investimentos e bons negócios, opinião unânime entre os especialistas, o Brasil iniciava-se no regime republicano, instaurado em 1889. Na época em que chegou, o presidente Campos Sales acabara de implantar a estrutura de poder da República Velha, baseada nas influências dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Ele instituíra a Comissão de Verificação de Poderes, com Seu objetivo era dar posse aqueles políticos indicados pelas oligarquias estaduais, mancomunadas com os interesses do governo federal, mero representante da elite agrária".

  Em um desses passeios pelos pontos turísticos do lugar, onde sempre era acompanhado pelo fiel motorista Euzébio, Jean-Jacques se deparou com o cabaré Mère Louise, muito famoso na região por receber membros da alta sociedade, especialmente políticos importantes, como o imponente e respeitado senador José Fernandes Alves de Mendonça. Nessa curta passagem, Jean-Jacques pôde ver, em uma das janelas, uma bela morena de olhos verdes, que lhe sorriu de volta. Embasbacado por tamanha beleza, Jean-Jacques decide retornar ao cabaré à noite, e quando o faz, se depara com uma aura quase mágica: música, bebida e risadas permeavam o salão, e, para abrilhantar a festa, surge Verônica, a mulher que vira na janela. É nesse momento que Jean-Jacques descobre que tê-la para si será uma tarefa difícil, já que ela presta serviços exclusivos ao senador Mendonça.
    Com ajuda de Louise, a dona do cabaré, Jean-Jacques passa a compreender no que se baseia a relação de Verônica e Mendonça: ele, por ser rico e influente, é o principal provedor do cabaré, exigindo apenas Verônica em troca de seu auxílio para manter a casa funcionando. Verônica tem grande apreço por Louise, que é grande amiga de sua mãe, Jacinta. Por isso, a jovem mulher se submete às fantasias do senador e finge amá-lo. Mas quando conhece Jean-Jacques, Verônica quebra o gelo que há em seu coração e descobre que nem todos os homens são iguais, apaixonando-se pelo sonhador que a observa como nenhum homem a observara antes. Quando percebe que seus sentimentos são correspondidos, Jean-Jacques faz de tudo para lutar por um amor que parece tão impossível, formando, assim, um triângulo amoroso que traz muitas consequências para a vida do casal.

    O livro de estreia de Aliel Paione me despertou o desejo de conhecer a Copacabana de 1900. Porém, a curiosidade maior era como um livro publicado em 2017 poderia retratar um tempo tão remoto. Confesso que não sabia o que esperar (uma leitura com ar contemporâneo ou antiquado?), mas acabei me deparando com uma obra atual em sua publicação e clássica em sua escrita. Quando se lê Sol e sonhos em Copacabana, mergulha-se em outro universo, onde aquilo que é antigo de repente torna-se parte da realidade, e Paione pareceu não medir esforços para que essa sensação nos fosse passada.
   A narrativa transcorre em terceira pessoa, tendo como foco principal Jean-Jacques. Ao longo da história, também há focos em Verônica, Mendonça, entre outros personagens secundários, penetrando profundamente no âmago de cada um. Como mencionei, a escrita nos remete à obras clássicas – extremamente descritiva e floreada. Esses e outros elementos me fizeram recordar os livros romancistas e realistas, o que também me fez dividir o livro em duas partes (tendo em vista a diferença entre os dois movimentos literários), que ficam claras ao leitor à medida que se aprofunda na história. Nos momentos em que o autor descreve a beleza de Verônica, foi como se visse Machado de Assis descrevendo Capitu ou José de Alencar à Aurélia – se prendendo a detalhes e criando metáforas em torno da beleza e atitudes delas. Outra semelhança com os movimentos é a narrativa urbana. Tanto o realismo quanto o romantismo tinham a característica marcante de descrever a sociedade da época, passando pelo processo de urbanização e retratando momentos políticos, servindo até como registro histórico informal.


Livro: Ainda Sou Eu 
Título Original: Still Me
Autor(a): Jojo Moyes
Editora: Intrínseca
Páginas: 398
ISBN: 978-85-510-0281-0
Sinopse: Sequência dos romances Como eu era antes de você e Depois de você, que arrebataram o coração de milhares de fãs, Ainda sou eu conta, pela perspectiva delicada e bem-humorada de Lou Clark, uma história comovente sobre escolhas, lealdade e esperança. Lou Clark chega em Nova York pronta para recomeçar a vida, confiante de que pode abraçar novas aventuras e manter seu relacionamento a distância. Ela é jogada no mundo dos super-ricos Gopnik - Leonard e a esposa bem mais nova, e um sem-fim de empregados e puxa-sacos. Lou está determinada a extrair o máximo dessa experiência, por isso se lança no trabalho e, antes que perceba, está inserida na alta sociedade nova-iorquina, onde conhece Joshua Ryan, um homem que traz consigo um sopro do passado de Lou. Enquanto tenta manter os dois lados de seu mundo unidos, ela tem que guardar segredos que não são seus e que podem mudar totalmente sua vida. E, quando a situação atinge um ponto crítico, ela precisa se perguntar: Quem é Louisa Clark? E como é possível reconciliar um coração dividido?

TRILOGIA "COMO EU ERA ANTES DE VOCÊ"
    2.  Depois de Você
    3.  Ainda Sou Eu

NOTA DA RESENHISTA: ANTES DE INICIAR ESSA RESENHA, QUERIA AVISAR QUE TERÃO PEQUENOS SPOILERS DOS LIVROS ANTERIORES. ISSO É NECESSÁRIO PARA QUE VOCÊS POSSAM COMPREENDER ALGUMAS COISAS.

Jojo Moyes nasceu em 1968 e cresceu em Londres. Estudou jornalismo e foi correspondente do The Independentpor dez anos. Publicou seu primeiro livro em 2002, e desde então dedica-se integralmente à carreira de escritora. Além de Como eu era antes de você, é escritora de A última carta de amor, A garota que você deixou para trás e Um mais um, todos publicados pela Intrínseca.

 Acompanhamos Louisa Clark em sua jornada nos livros Como Eu Era Antes de Você e Depois de Você. No inicio, tínhamos uma jovem que vivia no interior, estava muito envolvida em ajudar a família e por isso seus sonhos eram deixados de lado. Até que Lou vai trabalhar como cuidadora de Will Traynor, um jovem que ficou preso em uma cadeira de rodas por causa de um acidente de moto. Eles vão acabar se envolvendo e Will vai ensinar muito sobre a vida para Lou. O primeiro livro é triste, mas serve para Louisa dar uma chance para coisas novas.
   Depois da morte de Will, Jojo resolveu fazer uma continuação. Necessária? Sim, como a leitora voraz que sempre espera mais dos personagens, acho que a continuação foi para ajudar a personagem a seguir em frente. Essa foi a melhor decisão que Jojo fez em relação aos livros. Depois de Você é basicamente a história de Louisa depois de Will Traynor. Jojo vai trabalhar uma personagem que está em busca do seu "viva bem". Louisa vai descobrir um novo amor, novas possibilidades e perceber que a dor da perda sempre vai ser sentida, mas cabe a nós saber lidar com ela e seguir em frente com nossas vidas.
   Assim que fiquei sabendo da notícia de um terceiro livro fiquei muito animada e também na expectativa. Louisa viveria bem como Will queria? Ainda Sou Eu é um livro sobre recomeço, sobre seguir em frente apesar de tudo. Depois que terminei de ler esse livro pude perceber uma coisa: Jojo não escreveu para falar sobre Will, Jojo escreveu livros sobre Louisa Clark, para falar sobre Louisa. Em Ainda Sou Eu, Lou vai aceitar morar em Nova York para ser acompanhante de uma jovem que não é aceita pela alta sociedade. A missão de Lou é estar presente em todos os momentos da vida de Agnes e ajudar como uma amiga. Nossa protagonista deixa seu namorado, sua vida e família na Inglaterra para procurar um novo recomeço em NY. Lou, finalmente, vai em busca do seu “VIVA BEM”.

“Acho você ainda mais incrível. Além de todos os motivos pelos quais eu te amo, você é corajosa e forte, e acaba de me lembrar que... todos nós temos nossos obstáculos. Vou superar o meu. Mas te prometo uma coisa a você, Louisa Clark. Ninguém vai machucar você de novo.” 

   Quando li o primeiro livro não foi amor à primeira vista, juro que a escrita da autora demorou fluir, mas quando peguei o segundo tudo mudou. Depois de Você foi incrível. Incrível em todos os sentidos. Se eu esperava ser surpreendida com Ainda Sou Eu? É claro! O livro não só me surpreendeu, mas fez com que essa leitora que vos escreve se tornasse uma apaixonada por Jojo Moyes (uma das melhores que tenho em minha estante).
   Somos envolvidos com a narração de Louisa e sentimos com ela seus medos e ansiedades. Gostei de ter acompanhado ela em todas as fases dos livros anteriores, e nesse último livro foi emocionante ver Louisa batendo as assas e voando, sendo ousada, corajosa e continuando a ser otimista, atenciosa e dona de uma bondade incalculável. Assim como no segundo livro, esse teve um ritmo de leitura muito bom, devorei casa página sem perceber o tempo passar. Jojo continua com sua escrita detalhista e emocionante — podem se preparar para muitas lágrimas porque foi impossível não chorar vendo a evolução dessa personagem tão querida.
   Algo que me chamou muita atenção foi que a autora nunca deixou Will de lado, ele sempre estava presente. As cartas que ele deixou foram essenciais para o crescimento de Lou. Will Traynor nunca será esquecido por nenhum de nós, ele foi fundamental para Louisa se encontrar e viver bem. Fiquei muito feliz com algumas cenas dos livros anteriores que foram citadas — isso aqueceu meu coração de uma forma única.
   Me surpreendeu muito a forma com que Jojo trouxe reviravoltas para esse livro. Adicionar outros personagens para que de forma indireta ajudarem Lou foi maravilhoso. Vocês vão conhecer uma senhorinha rabugenta, teimosa e toda trabalhada nas roupas de época. Ela vai roubar nossos corações e também o de Louisa. Jojo também fez questão de trabalhar todos os personagens secundários e a família de Lou vai encontrar novas coisas para se envolver, onde cada um vai surpreender o leitor de uma maneira diferente. Dar sequência na vida de Lou foi a melhor escolha que Jojo fez, já disse e repito, pois os dois livros que foram publicados como continuação mereceram ser lançados. Lou era uma personagem que tinha muito a aprender e muito a mostrar para o leitor, Jojo percebeu isso e nos presenteou com mais dois livros maravilhosos. Garanto que ficarão felizes em ver a Louisa que está perdida no primeiro livro crescendo e se tornando a Louisa que Will sempre imaginou que seria neste último livro.

“Não tem quase nenhum dia aqui em que eu não sinta que ele estaria orgulhoso de mim.”


Livro: O Perfume da Folha de Chá  
Título Original: The Tea Planter´s Wife 
Autor(a): Dinah Jefferies 
Editora: Paralela 
Páginas: 431
ISBN: 978-85-8439-046-5
Sinopse: Em 1925, a jovem Gwendolyn Hooper parte de navio da Escócia para se encontrar com seu marido, Laurencek no exótico Ceilão, do outro lado do mundo. Recém-casados e apaixonados, eles são a definição do casal aristocrático perfeito: a bela dama britânica e o proprietário de uma das fazendas de chás mais prósperas do império. Mas ao chegar à mansão na paradisíaca propriedade Hooper, nada é como Gwendolyn imaginava: os funcionários parecem rancorosos e calados, e os vizinhos, traiçoeiros. Seu marido, apesar de afetuoso, demonstra guardar segredos sombrios do passado e recusa-se a conversar sobre certos assuntos. Ao descobrir que está grávida, a jovem sente-se feliz pela primeira vez desde que chegou ao Ceilão. Mas, no dia de dar à luz, algo inesperado se revela. Agora, é ela quem se vê obrigada a manter em sigilo algo terrível, sob o preço de ver sua família desfeita.

Dinah Jefferies nasceu na Malásia e se mudou para a Inglaterra com nove anos. Trabalhou com educação e realizou obras como artista plástica. Seu primeiro livro foi publicado em 2014. O Perfume da Folha de Chá é seu segundo romance.

   Década de 1920. Aos dezenove anos, Gwendolyn Hooper tem um futuro considerado promissor para as mulheres de então. Recém-casada com Laurence, um belo e proeminente empresário do ramo dos chás, ela não vê a hora de chegar ao Ceilão, colônia britânica no Oriente, e começar sua vida de esposa e dona de casa dedicada na imponente fazenda Hooper. Por mais fascinante que seu novo lar seja — cercado por uma exuberância de flores, vegetação, lagos e montanhas —, não é fácil se adaptar aos costumes e a tensão social do Ceilão. A alta sociedade que à primeira vista parece acolhedora, é repleta de intrigas e gente interesseira. E não é menos preocupante o permanente conflito entre os trabalhadores da lavoura e os senhores das terras.
   Em pouco tempo, Gwendolyn começa a se sentir solitária e desconfortável em sua bela mansão. Com o passar dos dias, ela vai descobrindo uma série de pistas sobre o primeiro casamento de Laurence. Um baú escondido, cheio de vestidos empoeirados. Um pequeno túmulo, que indica ser de uma criança. Fragmentos de uma antiga vida conjugal repleta de tristeza e segredos. E eis que Gwendolyn recebe a feliz noticia de que está gravida. Mais do que nunca, ela quer deixar as inquietações de lado e se dedicar ao papel de mãe e esposa exemplar. Mas, ao dar à luz, ela depara com uma escolha inimaginável, que a atormentará para o resto da vida. Um drama familiar complexo e envolvente, que retrata a força do amor materno diante das mais devastadoras circunstâncias.  

"Ela respirou fundo, como se assim fosse capaz de absorver cada partícula da beleza que tinha diante de si: as flores perfumadas, o deslumbramento da vista, o verde luminoso dos morros com a plantação, o som dos pássaros. Era de deixar o queixo caído."


Livro: Ordem Vermelha: Filhos da Degradação
Autor (a): Felipe Castilho
Editora: Intrínseca
Páginas: 448
ISBN: 978-85-510-0269-8
Sinopse: Você destruiria seu mundo em nome da verdade? A última região habitada do mundo, Untherak, é povoada por humanos, anões e gigantes, sinfos, kaorshs e gnolls. Nela, a deusa Una reina soberana, lembrando a todos a missão maior de suas vidas: servir a Ela sem questionamentos. No entanto, um pequeno grupo de rebeldes, liderado por uma figura misteriosa, está disposto a tudo para tirá-la do trono. Com essa fagulha de esperança, mais indivíduos se unem à causa e mostram a Una que seus dias talvez estejam contados. Um grupo instável e heterogêneo que precisará resolver suas diferenças a fim não só de desvendar os segredos de Untherak, mas também enfrentar seu mais terrível guardião, o General Proghon, e preparar-se para a possibilidade de um futuro totalmente desconhecido. Se uma deusa cai, o que vem depois?Ordem Vermelha: Filhos da Degradação é o preâmbulo da jornada de quatro improváveis heróis lutando pela liberdade de um povo, um épico sobre resistir à opressão, sobre lutar contra o status quo e construir bravamente o próprio destino. Porta de entrada para um novo mundo com inspirações de fantasia medieval, personagens marcantes e uma narrativa que salta das páginas a cada vila, ruela e beco de Untherak.

Felipe Castilho é autor de livros de fantasia. Famoso pela série O legado folclórico, que une mitologia brasileira com o mundo dos videogames, foi indicado ao Prêmio Jabuti pelo quadrinho Savana de pedra. Ordem Vermelha: Filhos da Degradação é seu livro de estreia na editora Intrínseca, lançado em conjunto com Rodrigo Bastos Didier e Victor Hugo Souza durante a CCXP, em dezembro do ano passado.

    Una – este é o nome da deusa que reúne em si os seis primeiros deuses, aqueles que criaram o mundo e tudo o que nele existe. Eles criaram as montanhas, onde habitavam os gigantes. Criaram as cavernas, onde habitavam os anões. Criaram as águas, onde habitavam os gnolls (criaturas velozes, hábeis e silenciosas). Criaram os bosques e neles puseram os sinfos (seres pequenos e frágeis, que têm forte ligação com a natureza). Para os terrenos rochosos e selvas fechadas, fizeram os kaorshs (de forma humanoide, são criaturas altas e esguias com a capacidade de dar cor às coisas). Por fim, deram aos humanos as planícies, para que pudessem plantar, colher e amar tudo que era cultivado.
   Com o tempo, os humanos passaram a invejar as outras criaturas e disseminaram caos, que só resultou em morte, destruição e derramamento de sangue. Foi assim que os deuses condenaram todas as seis raças com fortes punições, transformando os gnolls em monstros irracionais, os sinfos tiveram seu tempo de vida reduzido, os anões ficaram confinados em cavernas, os kaorshs tiveram as cores presas em seus corpos como camaleões, os gigantes foram praticamente extintos, e os humanos se tornaram a mais fraca de todas as raças. Diante de tantos lamentos, o mundo foi chamado de Degradação e passou  ter apenas uma região habitável: Untherak.
    Os seis deuses, revoltados com o derramamento de sangue, proibiram a cor vermelha, e após todos esses eventos, se tornaram Una, uma só deusa. A partir daí o mundo tomou outro rumo e as raças passaram a servir Una e a adorá-la, vivendo em eterna servidão – em maior ou menor grau. O tempo passou, e essa foi a história contada durante séculos. Como forma de liberar a violência e promover um show para si e para o povo, Una criou o Festival da Morte, onde o pai de Aelian, um simples humano, foi morto quando ele ainda era pequeno. Depois de anos sem ouvirem falar no tal Festival, uma nova edição passa a ser organizada. 
    Algum tempo se passou, Aelian cresceu e se tornou um ótimo escalador, violador de regras e servo de um poleiro. Mas nunca esqueceu o que aconteceu com seu pai. Quando fica sabendo que duas kaorshs – as esposas Raazi e Yanisha – se inscreveram no Festival, e parecem dispostas a lutar até a morte como fez o seu pai, Aelian resolve ajudar e alertá-las do perigo. Porém, isso acaba desencadeando uma série de eventos que nem ele, nem as kaorshs, poderiam imaginar. Agora, mais do que nunca, eles precisam se unir a um grupo improvável de rebeldes e desmascarar o sistema que assolou o povo de Untherak desde o início dos tempos.

"Untherak era um corpo doente, como a maioria de seus moradores" (p. 377).

    Ouvi falar sobre Felipe Castilho no ano passado, quando concorreu ao prêmio Jabuti por Savana de Pedra. Quando soube que lançaria um livro na CCXP em dezembro do mesmo ano, fiquei animada, pois se tratava do primeiro livro lançado no evento e isso, claro, representou um grande avanço para a literatura nacional contemporânea. Já havia recebido a recomendação para ler Ordem Vermelha, pois gosto de todo tipo de fantasia, mas das muitas obras do gênero que li poucas foram nacionais. Antes mesmo de conhecer a história, o livro já despertou meu interesse, e após ouvir falar mais, o desejo de me aventurar pelas páginas dele só aumentou.
    A narrativa ocorre em terceira pessoa e tem como focos os protagonistas e alguns secundários, cujos pontos de vista alternam a cada capítulo. Ela é linear, porém, entrecortada por uma narração paralela, que mostra a continuação da história no futuro através dos olhos de um personagem misterioso, que só revela sua identidade no capítulo final – ela é mostrada ao fim de cada uma das partes (o livro é dividido em três). A escrita de Castilho é objetiva e bem formulada, encaixando-se bem naquilo que se espera de uma fantasia, conseguindo prender o leitor do início ao fim. A história segue um ritmo frenético – apesar de possuir clímax bem definido, conta com diversas cenas de ação.
   Como o próprio autor afirma em seus agradecimentos, é possível notar as várias referências utilizadas na obra – desde inspirações em produtos da cultura pop até referência a sistemas políticos e econômicos semelhantes ao Brasil. Trabalhando com diversas criaturas fantásticas como sinfos (muito parecidos com o que conhecemos como elfos ou fadas), anões e gigantes, foi impossível não lembrar de O Senhor dos Anéis e até da mitologia nórdica.
    Quando a história se referia ao funcionamento do governo de Una, baseado na adoração sem limites à deusa e na servidão cruel do povo, não pude evitar fazer ligações diretas com o tipo de governo brasileiro (o antigo e o atual) e outros governos tiranos ao redor do mundo. O pano de fundo da narrativa também lembra bastante o tempo medieval – e o que não falta para esse cenário são referências! O mais incrível é que Castilho conseguiu juntar todos esses elementos previamente concebidos e montar uma história cheia de originalidade.
    Cada personagem tem sua história para contar e seus dramas pessoais. Aelian é o que mais chama a atenção, pois acompanhamos seus passos desde o começo e sentimos junto com ele a perda dos pais – graças ao temido Festival da Morte. Apesar de ter todos os motivos para se encolher num canto e chorar, Aelian é ousado, destemido e ativo, sempre buscando telhados para pular e regras para quebrar. Ele é o tipo de personagem que vai amadurecendo aos poucos e consegue conquistar facilmente, mesmo sendo um “mocinho” nada típico: cheio de falhas e questões morais a serem resolvidas. Raazi, a kaorsh que ao lado da esposa resolve encarar o desafio na arena do Festival da Morte, é tão corajosa quanto boa lutadora, e minha personagem preferida da série até então.

"A música tocada dentro da cabeça era um segredo que ninguém poderia tirar dela, ao contrário do ouro e de tudo o mais que poderia ser roubado, vendido ou destruído.
– Quando uma música é ensinada a alguém, ela se torna capaz de viver mais que os nossos corpos" (p. 88).


Livro: Todo Dia a Mesma Noite: A História Não Contada Da Boate Kiss
Autor (a): Daniela Arbex
Editora: Intrínseca
Páginas: 244
ISBN: 978-85-510-0285-8
Sinopse: Reportagem definitiva sobre a tragédia que abateu a cidade de Santa Maria em 2013 relembra e homenageia os 242 mortos no incêndio da Boate Kiss. Foram centenas de horas dos depoimentos de sobreviventes, familiares das vítimas, equipes de resgate e profissionais da área da saúde – ouvidos pela primeira vez neste livro –, para sentir e entender a verdadeira dimensão de uma tragédia sobre a qual já se pensava saber quase tudo. A autora construiu um memorial contra o esquecimento dessa noite tenebrosa, que nos transporta até o momento em que as pessoas se amontoaram nos banheiros da Kiss em busca de ar, ao ginásio onde pais foram buscar seus filhos mortos, aos hospitais onde se tentava desesperadamente salvar as vidas que se esvaíam. Foi também em busca dos que continuam vivos, dos dias seguintes, das consequências de descuidos banalizados por empresários, políticos e cidadãos. 

Daniela Arbex trabalha há 22 anos como repórter especial do jornal Tribuna de Minas. Suas investigações resultaram em mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, entre eles três Essos, o IPYS de melhor investigação da América Latina e o Knight Internacional. Estreou na literatura com Holocausto brasileiro e em seguida lançou Cova 312, com os quais ganhou dois prêmios Jabuti. Recentemente, virou documentarista e seu filme Holocausto brasileiro ganhou as telas da HBO em 40 países. Daniela mora em Minas Gerais com o marido e o filho.

    Duzentos e quarenta e dois, 242 – parece apenas mais um número. Mas no dia 27 de janeiro de 2013 (e nos vários tormentosos dias que se seguiram), ele ganhou outro significado. Faz mais de cinco anos desde a tragédia da Boate Kiss em Santa Maria, que teve a capacidade de parar o Brasil e chamar a atenção como o quinto maior desastre do país, o segundo maior em número de vítimas em um incêndio, o maior do Rio Grande do Sul e o terceiro maior em casas noturnas do mundo. Sim, são muitos números. Mas os números nunca indicam a história por trás deles, e é isso que Todo dia a mesma noite se dispõe a fazer.
    Baseando-se em depoimentos dos sobreviventes, da equipe de resgate que atuou no acontecimento e dos familiares das vítimas, Daniela Arbex faz uma reconstituição dos eventos ocorridos naquele 27 de janeiro e busca ir além dos números. Ela conta as histórias dos jovens personagens que tiveram suas vidas brutalmente arrancadas – não apenas a deles, mas a de todos que estavam ao seu redor. A dor e a ânsia por justiça se encontram em cada palavra (dita e não dita). Cada uma das vidas ali perdidas tinham suas próprias histórias, seus próprios dramas e sentimentos. Arbex mostra que o país não estava preparado para algo de tamanha magnitude: não havia espaço para os corpos daqueles que morreram nem para os feridos, o que contrasta com a situação da boate naquela noite, que ocupava muito mais do limite suportado – a capacidade do local não passava de 691 pessoas, mas havia aproximadamente 1500 no momento do incêndio.
  Porém, Todo dia a mesma noite não traz apenas relatos dos personagens que passaram por essa tragédia. Ele também denuncia e reúne todos os fatos, mostrando que o incêndio na Kiss não foi um simples acidente, e sim uma série de erros e omissões por parte de todos os envolvidos. E quem pagou o maior preço foram aqueles que nada tiveram a ver com tais falhas. Desde que a boate entrou em funcionamento (no ano de 2009) sempre esteve desregularizada em algum aspecto, seja com relação ao Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) ou com o alvará de localização, levando a conclusão de que, dentro dos termos legais, a casa noturna não deveria estar em funcionamento naquele dia.

    Meu primeiro contato com uma obra de Daniela Arbex foi com Cova 312, a qual tive o prazer de resenhar aqui no blog, e se tornou um dos melhores livros de não-ficção que já li. Desde então, tenho acompanhado o trabalho da autora e admirado seu talento para lidar com as questões humanas de forma humanizada – o que parece óbvio, pois é assim que sempre devem ser tratadas, mas ao observar o ritmo do mercado jornalístico, percebemos que na prática não é isso que ocorre. Como falei no início, números parecem mais importantes na hora de relatar os acontecimentos, além de ser mais prático. Mas o que garante que as obras de Arbex – incluindo Todo dia a mesma noite – sejam tão especiais, é justamente o olhar e o tratamento que ela dá a cada detalhe que compõe a narrativa. Novamente, Arbex dá um exemplo de jornalismo e mostra que não é suficiente apenas apurar os fatos, mas também pôr sentimento no que está sendo escrito.
    A narrativa é crescente, porém não-linear. Com bastante fôlego, a escrita da autora segue um rumo onde todos os acontecimentos são retratados no momento certo. A cada capítulo, ela nos apresenta uma parte da história, mas não as finaliza ali. Todas têm um ponto de encontro à medida que o livro está chegando ao seu desfecho. Porém, esse desfecho ainda não é o fim da história e isso fica muito claro, ou seja, se daqui a uns anos outro livro seja escrito a respeito do incêndio da boate Kiss, talvez o rumo da narração dos fatos seja diferente. Claro que algumas coisas jamais podem mudar, mas os processos ainda seguem e os pais das vítimas continuam lutando por justiça ao lado de todo o Brasil.

"O trabalho dos legistas junto às vítimas seguiu silencioso durante quase todo o período, mas, de tempos em tempos, podiam-se ouvir lamentos que quebravam a dureza da função. Nenhum mecanismo de proteção os isentou de chorar por Santa Maria e por tudo o que a soma de vítimas naquele ginásio representava: mais de 9 mil anos potenciais de vida perdidos, considerando a expectativa dos brasileiros de 75 anos. Não havia como ficar imune ao sofrimento provocado pela tragédia. Naquele domingo, a cidade inteira tinha seu coração preso dentro de um ginásio" (p. 104-105).


   A escrita é sucinta e objetiva, como toda reportagem deve ser. Porém, também segue a linha do jornalismo literário, em que encontrar o coração do leitor para tocá-lo e sensibilizá-lo é um dos principais objetivos. Todos os relatos tem o maior número possível de detalhes, é possível perceber toda essa dedicação e cuidado ao tratar dos casos. Falas e descrições foram reconstituídas para passar mais realismo e credibilidade, além de prender o leitor. A autora também tem como foco os objetos e o valor que cada um deles tinha para a vida das vítimas e de suas famílias – como o jovem Augusto, filho adotivo que levou a identidade por recomendação de sua mãe para que não fosse confundido com outra pessoa numa abordagem da polícia, e algumas horas depois essa mesma identidade fez com que seu corpo fosse reconhecido; ou como o celular da jovem que tinha 134 ligações não atendidas da mãe; ou ainda como Lucas Dias, que tinha um orgulho exacerbado de seu estado gaúcho, costumava usar roupas típicas da região, e acabou sendo enterrado com elas, além de ter a bandeira do Rio Grande do Sul estendida sobre seu caixão; ou talvez a última cartinha que Vitória escreveu para o Papai Noel, em 2012, um mês antes de sua morte, onde usou seu humor para pedir um camaro amarelo. 
   Todos esses detalhes fazem com que o leitor envolva-se profundamente nas histórias, e isso é o mais devastador. Compartilhei um pouco da dor das famílias e dos dramas de cada uma das vítimas retratadas. Isso fez com que me perguntasse o tempo todo o que teria acontecido se todos ainda estivessem vivos, se aquele sinalizador não tivesse sido acendido pelo vocalista da banda Gurizada Fandangueira (será que era só uma questão de tempo, como se fosse preciso uma tragédia ocorrer para chamar a atenção das autoridades?), se os donos da Kiss tivessem sido mais responsáveis e cumprido com todas as normas, se a fiscalização no Brasil fosse mais eficaz... São diversas perguntas que ficarão para sempre sem respostas.
    Porém, o trabalho de Arbex não parou por aí. Ela também mostra como estão hoje as famílias e amigos das vítimas, como estão tentando lidar com a morte delas. Ninguém saiu ileso de sofrer com as lembranças da tragédia, inclusive os profissionais que trabalharam em torno do caso. Muitos tiveram que recorrer a tratamentos psicológicos e psiquiátricos para tentar retomar suas vidas da melhor forma possível. Outros ainda usam o luto como luta – para parafrasear o lema "Do luto à luta" usado para fortalecer as esperanças daqueles que ainda esperam a justiça funcionar e punir os processados pelo caso. Mais de cinco anos se passaram, mas Todo dia a mesma noite é a maior prova de que todo dia é 27 de janeiro de 2013 para aqueles que ainda sofrem com as terríveis perdas daquela madrugada.


"Para quem perdeu um pedaço de si na Kiss, todo dia é 27. É como se o tempo tivesse congelado em janeiro de 2013, em um último aceno, na lembrança das últimas palavras trocadas com os entes queridos que se foram, de frases que soarão sempre como uma despedida velada" (p. 185).


Livro: Dias de Despedida
Título Original: Goodbye Days
Autor(a): Jeff Zentner
Editora: Seguinte
Páginas: 392
ISBN: 9788555340635
Sinopse:  "Cadê vocês? Me respondam."Essa foi a última mensagem que Carver mandou para seus melhores amigos, Mars, Eli e Blake. Logo em seguida os três sofreram um acidente de carro fatal. Agora, o garoto não consegue parar de se culpar pelo que aconteceu e, para piorar, um juiz poderoso está empenhado em abrir uma investigação criminal contra ele. Mas Carver tem alguns aliados: a namorada de Eli, sua única amiga na escola; o dr. Mendez, seu terapeuta; e a avó de Blake, que pede a sua ajuda para organizar um “dia de despedida” para compartilharem lembranças do neto. Quando as outras famílias decidem que também querem um dia de despedida, Carver não tem certeza de suas intenções. Será que eles serão capazes de ficar em paz com suas perdas? Ou esses dias de despedida só vão deixar Carver mais perto de um colapso — ou, pior, da prisão?

Jeff Zentner começou escrevendo músicas. Cantor e guitarrista, já gravou com Iggy Pop, Nick Cave e Debbie Harry. Passou a se interessar pela literatura jovem adulta depois de trabalhar como voluntário em acampamentos de rock no Tennessee. Morou no Brasil por dois anos, na região da Amazônia, e hoje vive em Nashville com a esposa e o filho.

   Desde que começou o ensino médio na Academia de Artes de Nashville, os momentos favoritos de Carver Briggs são as tardes livres que passa com seus melhores amigos, tomando milk-shake no parque e fazendo piada sobre tudo. Não que o garoto não goste das aulas — seu talento para escrita é reconhecido no colégio —, mas imaginar sua vida sem a companhia de Mars, Eli e Blake é impossível. Até as últimas férias. Os três amigos iam buscar Carver para mais uma tarde juntos, mas morreram em um acidente de carro no caminho, logo depois de Carver mandar uma mensagem de texto para Mars, que estava dirigindo. O celular é encontrado com uma resposta digitada pela metade, e agora as famílias dos garotos estão divididas: teria sido a mensagem o motivo do acidente? 
   Um novo ano letivo está prestes a começar e, além de ter de lidar com o luto, a saudade e a culpa, Carver também precisa enfrentar as ameaças do juiz Edwards, pai de Mars, que pretende investigar o caso criminalmente. O juiz tem ao seu lado Adair, a irmão gêmea de Eli, que faz questão de acabar com a reputação de Carver no colégio. Por outro lado, o garoto conta com o apoio da própria família, especialmente sua irmã Georgia, que o convence a fazer terapia
   Na escola, ele também não está sozinho: Jesmyn, que namorava Eli, é sua nova amiga — mas a proximidade entre os dois acaba por alimentar ainda mais os boatos de Adair. Enquanto tenta conviver com tudo isso, Carver precisa decidir se vai atender a um pedido da avó de Blake. Como não teve oportunidade de dizer adeus ao neto, vovó Betsy quer promover um dia de despedida, no qual Carver a acompanharia em todas as atividades que ela gostaria de ter feito com Blake no último dia de vida dele. De repente, as famílias de Eli e Mars também embarcam nessa ideia, colocando o garoto em uma montanha-russa emocional. 

   Confesso que Dias de Despedida me chamou atenção desde que foi anunciado como "uma leitura indispensável para os fãs de Jennifer Niven e John Green" — e, pessoal, a Seguinte não poderia estar mais certa ao recomendar e publicar esse young-adult. Jeff Zentner consegue ser ainda mais original, sensível e criativo que Green e Niven, dois autores com PhD na criação de uma literatura que representa libertação — uma consulta com um terapeuta chamado verdade que conta com a ajuda de uma psicóloga chamada vida. Sinceramente, não confio muito em minha capacidade de colocar em palavras tudo o que esse livro me ensinou, tudo que ele me fez sentir e tudo o que causou em minha vida — só sei que os danos foram (e sempre serão) irreparáveis! 
   Mergulhei de cabeça em Dias de Despedida e, a bem da verdade, ele não foi feito para se ler em uma única sentada. Não, ele tem toda uma poesia, toda um calma e todo um cuidado com o luto, a dor e suas diversas manifestações e, por isso, tece cuidadosamente uma trama que nos faz lembrar do porquê de amarmos tanto a literatura jovem-adulto. Ainda assim, você inicia a leitura sem pretensão alguma e quando se dá conta já está lendo há várias e várias horas, sorrindo, chorando e sem conseguir parar de pensar na obra. É mais ou menos isso que acontece quando se lê o livro aqui resenhado, e é impossível, ao terminar a leitura, você ser o mesmo de quando a iniciou.

"Há vida por toda a parte. Pulsando, zunindo. Uma grande roda que gira. Uma luz que se apaga aqui, outra substitui ali. Sempre morrendo. Sempre vivendo. Sobrevivemos até não não sobrevivermos mais. Todos esses fins e começos são a única coisa realmente infinita".

   Mais acima, eu comentei que Zentner consegue ser tão criativo quanto alguns dos expoentes da literatura jovem-adulto e, bem, eu não estava mentindo. O autor é um poeta e para inserir toda essa sensibilidade em sua obra, ele contou com a ajuda de Carver, um protagonista que, feito a imagem de seu criador, é um poetista muito talentoso. Resumindo: vocês não têm ideia da maestria com que a obra é narrada. Se ajuda na compreensão, é como ler uma grande poesia feita em prosa — nos momentos mais emotivos e profundos, parece que o personagem está conversando diretamente com o leitor, como se fosse um de nossos melhores amigos. Em entrevista exclusiva ao Sooda Blog, o autor norte-americano chegou, inclusive, a comentar sobre as razões que o levaram a criar uma obra tão poética como Dias de Despedida, afirmando que ama a poesia, as palavras e as frases musicais e que acredita que as palavras devem nos mudar e tocar nossos corações.
   Zentner foi genial ao desenvolver o livro e eu acredito fielmente que essa obra merece uma grande e sensível adaptação cinematográfica. Nas entrelinhas do young-adult, o autor deixa claro a importância de nos apegarmos a vida e valorizarmos cada momento ao lado das pessoas que amamos, pois, a bem da verdade, ninguém sabe ao certo o que o futuro reserva. Hoje podemos estar sorrindo pela presença de nossos amigos e, amanhã, chorando pela ausência deles. É exatamente quando o leitor compreende isso que a obra se torna algo mais especial — uma leitura que, nas palavras de Becky Albertalli, destrói, recompõe e definitivamente nos transforma. 
   O livro intercala presente e flashbacks com uma maestria incrível para um romance de estreia na literatura jovem-adulto e Jeff Zentner consegue convencer o leitor, da primeira à última página, de que sabe exatamente o que está fazendo, como está fazendo e para quê está fazendo — me tornei um admirador de sua escrita e mal posso esperar pelos futuros livros do autor. Meu desejo hoje, de todo o coração, é que mais e mais pessoas tenham contato com essa literatura que dialoga de forma sensível com todos aqueles que sofreram (e sofrem) com a dor da perda e prepara o coração daqueles que, mais cedo ou mais tarde, também verão os amigos, familiares ou os amores desaparecerem, apagando-se como o dia, rumo à escuridão.
   Para ser extremamente sincero, uma das melhores qualidades de Dias de Despedida — depois do caráter poético — é a originalidade. Muitos autores já trabalharam com a dor da perda, com a culpa, com o luto e com a tristeza, mas poucos fizeram um trabalho bem feito que focasse exclusivamente nisso. E isso comove. Isso sensibiliza. Isso despedaça o leitor. Isso ensina e acima de tudo nos transforma em pessoas com uma capacidade melhor de se colocar no lugar dos outros e nos permite compreender melhor a dor daqueles que estão ao nosso redor.

"Este dia aguçou tudo o que eu vinha sentindo nas últimas semanas. A Culpa. O luto. O medo. Afiou esses sentimentos até ficarem cortantes e ardentes. Mas, por outro lado, tirou um pouco daquela pontada e a substituiu por uma sensação pesada de ausência. Enquanto o luto é um sentimento mais ativo - um processo de negociação -, a ausência parece o luto com uma dose de aceitação."


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