Livro: Lugares Escuros
Título original: Dark Places
Autor (a): Gillian Flynn
Editora: Intrínseca
Páginas: 352
ISBN: 9788580575910
Sinopse: "Libby Day tinha apenas sete anos quando testemunhou o brutal assassinato da mãe e das duas irmãs na fazenda da família. O acusado do crime foi seu irmão mais velho, que acabou condenado à prisão perpétua. Desde aquele dia, Libby passou a viver sem rumo. Uma vida paralisada no tempo, sem amigos, família ou trabalho. Mas, vinte e quatro anos depois, quando é procurada por um grupo de pessoas convencidas da inocência de seu irmão, Libby começa a se fazer as perguntas que até então nunca ousara formular. Será que a voz que ouviu naquela noite era mesmo a do irmão? Ben era considerado um desajustado na pequena cidade em que viviam, mas ele seria mesmo capaz de matar? Existiria algum segredo por trás daqueles assassinatos? Gillian Flynn intercala a trajetória detetivesca de Libby com flashbacks dos acontecimentos do dia dos crimes com tanta habilidade que o leitor é levado a diferentes direções. Escrito com primor, Lugares escuros não só mostra como a memória é passível de falhas, mas também evidencia as mentiras que uma criança pode contar a si mesma para superar um trauma."


    Libby Day era apenas uma criança de sete anos de idade quando sua família foi brutalmente assassinada. Ela estava presente no momento do crime e conseguiu escapar, mas não sem várias sequelas. Ela, tão nova, acusou seu irmão mais velho, Ben, como o responsável pelos crimes, e esse foi preso pelo assassinato da mãe e das duas irmãs. Devido ao trauma que moldou tão drasticamente sua vida, Libby nunca conseguiu estabelecer uma relação com ninguém, vivendo isolada dos familiares restantantes e sem nenhum amigo. 
   Hoje, Libby possui trinta e um anos, e o dinheiro com o qual sempre sobreviveu — um fundo criado na época dos assassinatos, por doadores comovidos pela tragédia — está chegando perigosamente no vermelho. Como Libby nunca trabalhou e viveu sempre dependendo do dinheiro da tragédia, ela precisa arranjar outros meios para continuar a viver: mas ela se tornou uma pessoa apática, seca por dentro e difícil de se conviver. Quando um grupo autointitulado Kill Club procura Libby com o interesse de a contratar para dar mais detalhes daquele dia trágico, ela vê aí uma oportunidade. 
   É procurando por mais informações sobre o crime, como alguém com informações que os membros interessados nunca conseguiram, é que ela começa a cavar o passado. Mas Libby nunca havia entendido a imensidão dos fatos que a cercaram quando garota, e é aí que as dúvidas começam a surgir: por que todas as provas são tão confusas, e tantas informações essenciais estão faltando? O que será que realmente aconteceu naquele dia, e será que tudo o que ela sempre acreditou pode ter sido uma grande farsa? 

   Conheci Lugares Escuros quando, por acaso, me deparei com o trailer da adaptação da história para os cinemas. Curiosa pela premissa, fui pesquisar mais; imagine minha surpresa e encantamento ao descobrir que o filme era, na realidade, baseado em uma obra de Gillian Flynn, uma autora que eu já conhecia, e que havia me encantado com seus livros. Solicitei a obra à editora Intrínseca, e confesso que até eu temia minhas altas expectativas: mas, novamente, Flynn não só fez jus, mas superou cada uma delas. 
  A narrativa é em terceira pessoa, alternando entre diversos pontos de vista. Conhecemos a história pela perspectiva de Libby, já adulta nos dias de hoje, mas também pela de sua mãe e de seu irmão, Ben, no passado, no dia que antecedeu os assassinatos. Essa falta de cronologia poderia ter sido desastrosamente confusa, mas Flynn deu conta do recado perfeitamente. Ainda fico maravilhada com a habilidade da autora em organizar tudo isso, revelando e, ao mesmo tempo, ocultando fatores chaves à história.
   Todos esses fatos são contados de uma maneira característica de Flynn: uma linguagem crua, seca, cheia de palavras chulas e muito direta. É impossível não notar sua maestria e precisão em narrar os fatos de maneira a demonstrar a "verdade nua e crua", sem a adição dos tão comuns "enfeites" que vemos em grande parte dos livros; isso, é claro, é apenas exacerbado pelo fato de que, aqui, uma temática tão dark — se me perdoam o trocadilho —, tão sombria, ser retratada, com um ritmo de narração até mesmo um pouco psicótico em situações específicas.


   Desde o começo do livro, fica claro que algo a mais aconteceu naquela trágica noite. Os fatos não batem muito bem (o que pode parecer um acidente para um leitor mais desatento, mas é apenas mais uma demonstração da inteligência da autora!), algumas coisas ficam no ar demais, e os pensamentos de Libby acerca daquilo parecem tão robóticos... Isso tudo já deixa o leitor atento a começar pelos primeiros capítulos, tentando pegar detalhes nas menores frases e lembranças. Essa dúvida sobre os fatos, o mistério que estava sempre presente, tornou impossível, para mim, largar a leitura, já que eu simplesmente precisava entender o que havia ocorrido. 
   É claro, novamente, fui inocente em achar que estava chegando perto do verdadeiro mistério. Mais uma vez, fui pega de completa surpresa por Flynn, que soube desenvolver e encerrar mais um de seus livros de uma maneira inimaginável. Li Lugares Escuros em questão de pouquíssimos dias, e fiquei vidrada na história o tempo inteiro; quando finalmente o terminei e entendi, contudo, a história continuou comigo. É impossível não ser envolvida, tocada por uma trama tão complexa, tão dolorida, e, ao mesmo tempo, tão real. 

    Acredito que isso seja, na verdade, o que me fez ficar tão vidrada na história: a quantidade de realidade imposta nela. Como já disse, em Lugares Escuros conhecemos personagens verdadeiros, cheios de defeitos (que, de uma modo geral, são bem mais pronunciados que as qualidades!) e que cometem muitos erros, atitudes maldosas e podem ou não entender a amplitude de seus atos. Todos esses fatores, somados, fizeram, diversas vezes, eu me sentir como se estivesse lendo um relato ou conhecendo uma história que realmente ocorreu; senti como se a própria Libby me contasse sua história, com tamanha dor e profundidade que, geralmente, apenas os fatos reais possuem. 
    Em relação aos personagens, é difícil, sob certa perspectiva, descrever meus sentimentos em direção a eles. Eu explico: os personagens principais são Libby, na maioria das vezes adulta, mas com alguns relatos de sua infância, sua mãe e seu irmão. Ficamos praticamente "presos" a esses três, que, apesar de terem características bem distintas um dos outros, compartilham algo: uma escuridão profunda é notada no âmago de cada um deles. Desse modo, são personagens que protagonizam uma história incrível e tem seus vários momentos de brilhantismo, mas devo dizer que nenhum deles invoca simpatia. Não consegui me sentir ligada a história a ponto de me apegar a um personagem, e isso pode ter sido o mais próximo de um ponto negativo que eu tenha encontrado na obra (apesar de que, devido ao contexto, não se trata de algo necessariamente ruim, já que fica claro que esse não é o objetivo da autora).


   Ainda sim, é impossível não torcer para Libby descobrir a verdade — tanto por ela, quanto pela nossa própria curiosidade, confesso! —, não ficar comovida pela situação difícil que a família Day passava antes dos assassinatos e pela relação defasada que a mãe possui com seus filhos, apesar de amá-los profundamente. É, mais uma vez, um relato cruel e verdadeiro da realidade, e isso é o que torna Lugares Escuros diferente dos demais e tão comuns suspenses diversos. O final, sob essa mesma perspectiva, é incrível e desafiador. Nunca teria pensado que a história tomaria a guinada que tomou no final, chegando a respostas dignas de deixar o leitor de queixo caído.
   O design por conta da Editora Intrínseca é belo, como de usual. Geralmente tenho horror a capas que retratam o poster das adaptações cinematográficas, mas devo reconhecer o belo trabalho da editora aqui (e, também, no livro Garota Exemplar). A diagramação interna é bonita, mesmo que simples, para não tirar o real foco da história. A tradução é de ótima qualidade, e não me deparei, durante a leitura com nenhum erro de revisão ou ortografia.
   Trata-se, por fim, de uma obra que não será agradável aos gostos de todos, mas eu recomendo profundamente que uma chance seja dada ao livro. Se você está a procura de uma história inteligente, cheia de suspense, mistério e muito bem arquitetada, essa é a pedida certa, posso garantir. Você vai ser envolto por um enredo tão real que é quase palpável, e ficar com o mistério em seus pensamentos por um tempo significativo; muito bem recomendado!

Primeiro parágrafo do livro:
"Eu tenho uma maldade dentro de mim, tão real quanto um órgão. Corte minha barriga e talvez ela escorra para fora, viscosa e escura, e caia no chão para que você possa pisar nela. É o sangue dos Day. Há algo errado com ele. Nunca foi uma boa menina, e piorei depois dos assassinatos. [...] "
Melhores quotes:
I.  "Eu supunha que tudo de ruim no mundo podia acontecer, porque tudo de ruim no mundo já havia acontecido."
II.  "Nada a fazer a não ser fazer."


2 Comentários

  1. Estou louca para ler, principalmente por causa do filme. Adorei a resenha, beijos.

    Vanessa | www.closetdelivros.blogspot.com

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  2. Tenho muito vontade de ler este livro. Mas ainda estou com Garota Exemplar por ler.

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