{Resenha} Excesso de Luz — Christiam McKay Heidicker

Livro: Excesso de Luz

Título Original: An Excess of Ligth

Autor (a): Christiam McKay Heidicker

Editora: Intrínseca

Páginas: 30

ISBN: 978-85-510-0205-6

Christiam McKay Heidicker trabalhou muitos anos na área educacional, lecionou escrita criativa na Broadview University e atualmente escreve artigos científicos para o público infanto-juvenil no site BirdBrain Science. Mora com o amor de sua vida em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Pela Intrínseca, publicou também Bem-vindo à Vida Real.

   Lá para meados de agosto, a casa no fim da Weeping Fig Way parecia prestes a decolar para a Lua. Todos os adornos da construção — calhas e escoadouros, colunas e persianas, a antena e o galo dos ventos — haviam sido removidos. Os arbustos tinham sido arrancados; as árvores, cortadas, e tudo fora substituído por... outras coisas. A lateral da construção estava toda coberta por plástico brilhante; a varanda, revestida por uma manta rosada de isolamento térmico; a parte interna da cerca, besuntada com uma gosma branca e grandes blocos transparentes estavam apoiados sob as janelas, que foram pintadas de preto. 

   No entanto, estranhamente, ou não, apenas as crianças da vizinhança pareciam preocupadas com as mudanças recentes na casa, que nunca se permitiam ter uma testemunha ocular. As coisas simplesmente apareciam e desapareciam da noite para o dia. Era muito estranho! Apesar de saberem que a casa era habitada, Isaac, Liza e Jo jamais chegaram a ver o sr. e a sra. C (uma informação extraída da velha caixa de correio), e mesmo passando os dias inventando teorias e mais teorias para explicar o que acontecia na peculiar residência, eles não se sentiam contentes em apenas especular. Era preciso descobrir a verdade, seja ela qual for.

   Como os adultos não estavam interessados em descobrir o que acontecia no fim da Weeping Fig Way, as três crianças resolvem então, imbuídas tanto de coragem quanto de medo, investigar por conta própria a casa dos C — e o que eles encontram lá não é simplesmente algo que vai mexer com suas mentes, mas também com a do leitor.

"Eles olharam para Jo, que encarou os gêmeos com aquele olhar que muitas vezes precedia milagres. Milagres como resgatar frisbees de telhados, ganhar picolés de graça e, certa vez, até ressuscitar um sapo esmagado pelo pneu de um carro. O olhar capaz de lembrar a eles que havia magia no mundo, boa e má".

   No último mês, a Intrínseca lançou o livro Bem-vindo à Vida Real, também de Heidicker, que narra história de um garoto que passa todo o tempo livre – e até o que deveria estar ocupado – recluso na frente do computador, jogando com seus amigos. Até que um dia, quando sai para lavar o carro do pai, ele conhece Serena, consegue garantir seu primeiro encontro e minutos depois é levado para uma clínica de reabilitação para viciados em videogame. Muito peculiar, certo? E como forma de nos presentear com nada menos do que uma pequena prova do talento excepcional de Christiam McKay Heidicker, a Intrínseca nos prestigiou dias antes do lançamento de Bem-vindo à Vida Real com esse conto distribuído gratuitamente nas principais lojas digitais (Kindle, Kobo e outros).

   Mergulhei na leitura de Excesso de Luz depois de receber um e-mail da Intrínseca anunciando o lançamento do e-book, e sendo ele a primeira publicação de Christiam McKay no Brasil, fica ressaltado que nunca tinha nem mesmo ouvido falar no autor. No entanto, isso não influenciou de forma alguma em minhas expectativas — que, em decorrência da sinopse do conto, mantiveram-se sempre altas — e apesar de não ser um gênero que eu leio com frequência, confesso que curto muito ler um infanto-juvenil, ainda mais se ele for regado a fatos peculiares e a muito mistério, como é o caso do conto de Heidicker.
   E é quando conhecemos os protagonistas do conto que Excesso de Luz remete ao clima da série de sucesso Stranger Things, original da Netflix, uma websérie americana de suspense, ficção científica e drama que traz uma trama onde um garoto desaparece misteriosamente na pequena cidade de Hawkins, Indiana, e faz seus amigos partirem por sua busca, movidos a curiosidade e instigados pela busca da verdade. Isaac, Liza e Jo, curiosos quanto ao que acontece no fim da Weeping Fig Way,  tal como o clima de mistério, nos fazem lembrar justamente das crianças de Stranger Things. E, bem, não é sequer preciso dizer que isso torna a leitura ainda mais agradável.
   As crianças começam a ser curiosas desde o momento que começam a ver e na ausência da verdade, da compreensão, elas começam a explorar o mundo ao seu redor com instrumentos que suas próprias mentes criam. Os pais e os adultos em geral têm dificuldade em compreender e, principalmente, aceitar isso — como se nunca tivessem passado pelo mesmo! O que eu mais gostei em Excesso de Luz foi justamente o fato de o conto trazer, nas entrelinhas, essa crítica e esse alerta. Muitas vezes os adultos não orientam as crianças curiosas e elas acabam encontrando meios de fazer isso por conta própria, algo natural da condição humana. Quando não encontramos quem possa nos ajudar, recorremos a nós mesmos. Quando somos adultos, tudo bem... mas as crianças não podem recorrer a si mesmas, não ainda.
   Excesso de Luz, no entanto, não é um conto macabro, assustador ou algo parecido. É simplesmente um conto que fala da curiosidade infantil e do amor (vocês vão entender quando terminarem a leitura). Quando terminei de ler, eu só conseguia me sentir surpreso e satisfeito. Christiam McKay Heidicker me surpreendeu com um simples conto, me ensinando que as crianças são pequenas exploradoras do mundo e sempre vão querer saber mais e mais, por isso o papel do adulto não é, em absoluto, cortar essa curiosidade, mas conseguir que esse interesse e essa motivação não se percam pelo caminho do crescimento infantil. Recomendo a todos!

Primeiro Parágrafo: "Lá para meados de agosto, a casa no fim da Weeping Fig Way parecia prestes a decolar para a Lua". 

Melhores Quotes:"— A porta está escancarada! — avisou Jo. — Nunca vamos ter uma chance melhor do que essa! — Se a boca de um crocodilo estiver aberta, você pula lá dentro? — perguntou Issac. — A curiosidade matou o gato".
"— Bem... — respondeu a senhora, ainda com um leve tremor na voz. — Acho que só se traz uma criança ao mundo para que ela veja a beleza que existe aqui".
"— Acho que, se todo mundo experimentasse culturas diferentes como experimenta roupas, as pessoas não matariam tanto umas às outras. Como se pode ficar furioso com um povo depois de passar um dia na pele... ou na tanga dele?".
"— Não acham que é apropriado uma vida de escuridão terminar em excesso de luz?".