Livro: Eu sou o Peregrino
Título Original: I Am Pilgrim
Autor: Terry Hayes
Editora: Intrínseca
Páginas: 685
ISBN: 9788580578782
Sinopse: Uma mulher é brutalmente assassinada em um hotel decadente de Manhattan, seus traços dissolvidos em ácido. Um pai é decapitado em praça pública sob o sol escaldante da Arábia Saudita. Na Síria, um especialista em biotecnologia tem os olhos arrancados ainda vivo. Restos humanos ardem em brasas na cordilheira Hindu Kush, no Afeganistão. Uma conspiração perfeita, arquitetada para cometer um crime terrível contra a humanidade, e apenas uma pessoa é capaz de descobrir o ponto exato em que todas essas histórias se cruzam. Peregrino é o codinome de um homem que não existe. Alguém com tantas identidades que mal consegue lembrar seu verdadeiro nome. Adotado ainda jovem por uma família rica, ele se tornou um importante profissional da espionagem. Em uma perseguição cinematográfica, Peregrino cruza o mundo, da Arábia Saudita às ruínas da Turquia; do Afeganistão ao Salão Oval da Casa Branca. Um caminho doloroso e repleto de ameaças inesperadas, na busca por um homem desconhecido cujo plano é desencadear uma destruição em massa e sem precedentes.
Terry Hayes é um jornalista e roteirista britânico de muito renome. Trabalhou nos Estados Unidos e Austrália como colunista, repórter investigativo e correspondente político. No meio dos roteiros, construiu uma carreira brilhante tanto no cinema quanto na televisão, recebendo mais de vinte indicações e premiações ao Emmy. Dentre vários outros trabalhos de grande sucesso, recebeu o convite para dirigir o roteiro de Mad Max 2 e 3. Eu sou o Peregrino é seu romance de estreia, tendo sido publicado em vinte e cinco países e, como o autor mesmo cita em sua nota, tem promessa de chegar às telonas futuramente. O livro já recebeu o prêmio de melhor thriller policial de 2014 pelo National Book Awards do Reino Unido.
Aposentado, depois de tantas reviravoltas, missões e troca de identidades, o agente que leva o codinome de Peregrino se depara diante de um caso inusitado. Anos atrás, quando pensou em deixar de lado sua vida como agente de espionagem dos Estados Unidos — e toda a sua rotina de matar e perseguir traidores —, ele escreveu um livro, onde contava todas as suas aventuras e os casos mais tensos com os quais já se chocou, relatando como teve de resolvê-los. Foi assim que ele resolveu se libertar de suas memórias mais sombrias. Mas percebe que não há escapatória tão simples assim. Junto com seu amigo e investigador, Ben Bradley, Peregrino se vê diante de um caso de assassinato brutal, ocorrido em um quarto de um hotel vagabundo localizado nas proximidade do Word Trade Center, onde há um ano (de acordo com o tempo do livro) as Torres Gêmeas foram vítimas do ataque terrorista da Al Qaeda.
Investigando melhor o caso, logo percebem que o assassino(a) utilizou o livro escrito por Peregrino como manual para cometer o crime. É assim que o ex-agente percebe que terá de voltar a ativa, e o que parecia mais um simples caso de homicídio, se torna algo muito maior. Muito tempo atrás, longe dali, na Arábia Saudita, um homem é decapitado por traição ao governo, que, segundo ele, era submetido aos desejos e culturas ocidentais. Quem assiste ao "espetáculo" é o seu filho de apenas quatorze anos. Apenas mais uma decapitação em praça pública — ato comum no país —, mas que acaba desencadeando uma série de consequências.
Enquanto o Peregrino se ocupa do assassinato no hotel, ele é chamado para atender, na Turquia, um caso de bioterrorismo. Lá, ele não só desvenda os mistérios da trama daquele que planeja pôr um fim à toda uma nação, como também descobre mais um caso de homicídio, onde as ligações com o assassinato do hotel parecem cada vez mais claras. Metendo-se numa trama implacável e assumindo mais um nome falso — que ficará esquecido em algum lugar junto com vários outros — o Peregrino descobre que a ação e o desejo de continuar na ativa desvendando mistérios e sendo, por vezes, um verdadeiro herói (mesmo que nem sempre tão bonzinho quanto gostaria), ainda corre por suas veias.
A trama investigativa é um dos meus gêneros favoritos — é delicioso ver as páginas passando rapidamente com um thriller onde cada passo que o personagem dá é digno da desconfiança do leitor. Quando se fala de ataques terroristas e agentes secretos, logo uma série de imagens daqueles filmes clichês — não necessariamente ruins — me vem à cabeça. Porém, ao perceber que o livro também trata de bioterrorismo, não pude deixar de fazer a ligação com Inferno, de Dan Brown (um dos melhores escritores de romance policial, em minha opinião, e também na de Terry Hayes!). Quem leu Inferno, sabe do que estou falando, e posso dizer que o decorrer do caso é bem parecido — com exceção de alguns muitos detalhes, pois algo que Eu sou o Peregrino tem, é originalidade.
A narração ocorre em primeira pessoa, na voz do Peregrino. Mesmo sendo o protagonista, o foco muda constantemente. Os capítulos se alternam com relação ao foco narrativo, variando entre Peregrino e outros personagens com os quais ele se choca. Sair de sua zona de conforto para adentrar em outras histórias, faz com que o narrador seja também onisciente — algo muito raro de se ver em narrativa-personagem, pois a percepção normalmente é única. A situação não fica esquisita, pois o Peregrino é treinado para deduzir as coisas, e quase sempre o faz corretamente. Assim, a forma como ele narra a vida de personagens é com riqueza de detalhes, inclusive seus pensamentos.
Sua escrita é bastante descritiva, mas isso não a torna enfadonha, pelo contrário: faz com que nos atenhamos mais ainda a história, deixando-a envolvente. Os capítulos são curtos, em média umas cinco páginas cada, podendo chegar a ser apenas uma. Com o decorrer da leitura eles se tornam cada vez menores, porque assim segue o ritmo crescente do livro, quando o leitor reconhece que o clímax se aproxima a cada página virada. Outro ponto muito interessante é que a narração faz com que se tenha a impressão de que estamos lendo um livro de memórias, pois deixa muitos pré-requisitos que só farão sentido alguns capítulos depois (ou até mesmo no desfecho). Coisas como "mais tarde eu me lembraria disso" e "me arrependi de não ter dado atenção a este fato", faz com que tenha-se tal percepção.
"Apesar dos meus muitos casos com outras substâncias, a inteligência sempre foi minha droga preferida" (p. 64).
O todo do livro não é apenas formado pela investigação que o Peregrino faz com a ajuda do governo. Ele também relembra fatos que lhe ocorreram há muito, desde quando sua mãe morreu quando ainda era uma criança, passando pelos momentos em que era o filho adotivo de um casal afortunado, como entrou no mundo da espionagem, tudo o que aprendeu (coisas técnicas e também emocionais) até o atual momento em que a história se passa. Isso faz com que a narrativa viaje para o passado, retorne para o presente e volte novamente para o passado. Essa dinâmica me conquistou muito e certamente foi útil ao longo do enredo, tendo todas as "pontas amarradas" em seu desfecho.
Os personagens são muito bem construídos, devido a todo o cuidado em que o narrador-personagem tem em descrevê-los para além da relação que teve com cada um deles. Entrando em suas vidas pessoais e em seus mais íntimos pensamentos, podemos constatar mais coisas a respeito dos secundários que do próprio protagonista. O real nome de nascença do Peregrino nunca é revelado, apenas aqueles nomes que acabou adotando ao longo de sua trajetória. Isso pode deixar o leitor no escuro inicialmente e fazê-lo sentir até certa frieza da parte do personagem, mas com a evolução do enredo, percebe-se também a efetividade da evolução do Peregrino. Porém, ainda ficam aquela sensação de que ele ainda tem seus próprios mistérios, que ele é mais do que aquilo que está nos mostrando.
Aqueles que mais me chamaram atenção foi Ben e Marcie, o amigo detetive do Peregrino e sua esposa. Ambos
passam uma normalidade e realismo muito maiores que o personagem de Peregrino. São um casal comum, sem grandes excentricidades, que vivem uma vida cheia de altos e baixos como todo mundo, lidam com seus fantasmas e superam obstáculos. É notável o quanto
o Peregrino torna-se mais real sempre que fala de seus amigos mais íntimos, já que nunca teve pessoas tão próximas com quem pôde dividir seus segredos. Ben mostra ao Peregrino uma vida que provavelmente ele nunca terá. Já outro personagem que contrapôs a história foi
Sussurrante (codinome de Dave, o diretor de inteligência dos Estados Unidos), alguém totalmente dedicado ao trabalho para o Estado, e que acabou esquecendo da própria vida — ele mostra
uma versão do Peregrino no futuro.
A
ausência de uma linearidade no tempo e no espaço do livro foi trabalhada de forma original e que encarei como um ponto positivo para a construção do enredo. O
thriller ser caracterizado quase exclusivamente pelo próprio protagonista também deu
um novo ar ao gênero investigativo que permeia o livro, deixando, algumas vezes, o mistério da investigação de lado,
tornando o Peregrino o mistério principal. As
mudanças de parâmetro na narrativa e o
ritmo alucinante, deixaram apenas impressões positivas.
A
capa foi bem trabalhada com o
contraste dourado reluzente para dar a
sobriedade que o gênero merece. O fato dela
não levar o nome do autor deixa ainda mais claro que o objetivo é fazer com que ele seja realmente narrado pelo Peregrino. As únicas ressalvas que tenho a fazer sobre essa edição são relacionadas
a revisão, que ainda contém algumas falhas de falta de letras, e as
orelhas grandes para a largura do livro, que acabou tornando-se
incompatível, já que não chega a cobrir toda a capa — este detalhe pode atrapalhar um pouco na hora de ler as primeiras e últimas páginas.
Eu Sou o Peregrino é um ótimo livro para quem gosta de um bom
thriller policial,
cheio de ligações que só acontecem na ficção, mas que prendem o leitor do início ao fim, guiando-o por uma teia de mistérios que ele próprio tenta resolver na condição de mero observador, para então perceber que estava errado o tempo todo. Também traz consigo uma história que tem a
capacidade de levar à reflexão: o quanto o Estado controla o seu povo tanto no Oriente quanto no Ocidente, tanto numa República quanto numa ditadura. Além disso,
apresenta o terrorismo que parte do Islã, sob uma ótica diferente. Todas essas coisas juntas formam os
ingredientes perfeitos para uma história que tem tudo para
conquistar os amantes de thrillers e quem sabe, levar o autor a escrever mais livros do mesmo tipo.
Primeiro parágrafo do livro: "Há lugares dos quais me lembrarei a vida inteira — a Praça Vermelha com o vento quente sibilando, o quarto de minha mãe no lado errado da 8 Mile Road, os jardins intermináveis de um elegante lar adotivo, um homem esperando para me matar em um conjunto de ruínas conhecido como o Teatro da Morte".
Melhor quote: "Edmund Burke disse que o problema com a guerra é que normalmente ela destrói as próprias coisas pelas quais se está lutando — justiça, decência, humanidade —, e não pude deixar de pensar em quantas vezes eu violara os mais caros valores de nossa nação a fim de protegê-los".
Tenho lido coisas bem melhores ultimamente, principalmente dos escritores nórdicos, mas não deixei o livro pela metade.
ResponderExcluirNão gostei porque envolve muita empáfia e soberba americana, nada dá errado, tudo é possível.
Quanto ao personagem Sarraceno, um terrorista fanático padrão EI, jamais iria entregar seu plano perfeito de destruição em massa, mesmo com o sacrifício do próprio filho. O garoto seria mais um mártir em nome de Alläh.