Celeste Ng cresceu em Pittsburgh, Pensilvânia, e Shaker Heights, Ohio, nos Estados Unidos, em uma família de cientistas. Formou-se em Harvard e fez o mestrado em belas-artes pela Universidade de Michigan, onde ganhou o Hopwood Award. Seus ensaios e trabalhos de ficção já foram publicados na One Story, TriQuarterly, Bellevue Literary Review, Kenyon Review Online. Atualmente Ng mora em Cambridge, Massachusetts, com o marido e o filho.
Lydia (a filha querida) está morta. Mas sua família ainda não sabe disso. Dia 3 de maio de 1997, seis e meia da manhã, ninguém sabe nada a não ser por este fato inofensivo: Lydia está atrasada para o café da manhã. Sua mãe procura pela casa. Não encontrada nada. Nath (o filho mais velho) e Hannah (a filha invisível) ajudam a procurar pela irmã, mas, definitivamente, ela não está em casa. Marilyn (a mãe) resolve ligar para James (o pai), mas nem ele consegue intimidar a polícia, que acredita se tratar apenas de um caso onde "os adolescentes saem de casa sem avisar". Horas mais tarde o corpo de Lydia é encontrado no fundo de um lago e o frágil equilíbrio que parecia manter a família unidade se acaba, mergulhando todos no caos, na escuridão, em uma tristeza profunda onde toda a verdade vem à tona.
Tudo O Que Nunca Contei traz em suas primorosas entrelinhas a história de uma família de ascendência chinesa que mora em uma cidadezinha de Ohio, nos Estados Unidos. Lydia, que agora está morta, é a filha preferida de um casal determinado a fazer dela a realização de todos os sonhos que os dois não alcançaram: no caso do pai, popularidade e aceitação; no caso da mãe, sucesso acadêmico. Quando a menina morta é encontrada, o pai, consumido pela culpa, começa a trilhar um caminho que pode levar ao fim do casamento. A mãe, desolada, vingativa, incompreendida e infeliz, está determinada a encontrar os responsáveis pela morte da menina — mesmo sabendo que já os viu várias vezes, tanto na mesa de jantar quanto de frente ao espelho
O irmão mais velho tem certeza que o vizinho problemático, Jack, está envolvido na tragédia. Mas é a filha caçula, ignorada por todos e esquecida pelos pais, quem descobre muito mais do que todos imaginam e talvez seja a única a entender de fato o que estava por trás da morte da irmã. Enquanto desvela os segredos da família Lee — os sonhos que viraram decepções, os amores que viraram ódio, as inseguranças omitidas, as traições e os arrependimentos —, Celeste Ng conta uma história pautada pela incapacidade que muitas vezes temos em compreender os outros e a nós mesmos, no fazendo lembrar que as expectativas familiares e a necessidade de pertencimento podem acabar com a vida de alguém.
"Miles Fuller e o pai dele
cruzaram a linha de chegada primeiro, e a sra. Hugard, a diretora, lhes deu a
fita azul.
— Tudo bem — disse James e, por
um instante, Nath se sentiu melhor. — Então o pai acrescentou: — Agora, se
tivessem uma competição para quem lê o dia todo...
Ele vinha dizendo coisas assim o
mês inteiro: coisas que soavam como brincadeiras, mas não eram".
Eu havia pensado que
Tudo O Que Nunca Contei se tratava apenas de um livro interessante, um tanto quanto comum, mas, a bem da verdade, logo após finalizar a leitura
concluí que ele é sobre tão mais do que isso... não sou sequer capaz de explicar! Celeste Ng mostrou para que veio. Ela não quer simplesmente escrever. Não deseja apenas vender sua obra. Não quer apenas tratar de temas profundos, simplesmente
construindo um retrato emocionante de uma família e de uma jovem que lutou para atender as expectativas dos pais. É muito mais do que isso. Ela quer toca, de modo que as palavras faltem e os sentimentos transbordem.
Apesar de ter dificuldades com o começo da história e até mesmo julgá-la mal, mergulhei de cabeça em Tudo O Que Nunca Contei. Antes de ler, eu dei uma olhada em algumas resenhas pela internet, apenas para confirmar minhas suspeitas: a grande maioria dos leitores adoraram o livro, se sentiram transformados e satisfeitos, mas por que eu não senti o mesmo logo que iniciei a leitura? Bem, é simples. Tudo O Que Nunca Contei tem o poder de nos surpreender a cada página, mas pede algo em troca: um pouco de compreensão. Um drama familiar não é uma história fácil de ser contada e, muito menos, de ser lida — já que muitas vezes acabamos nos identificando com a situação vivenciada pelos protagonistas.
A narração é em terceira pessoa, com uma estrutura poética e sensível que nos permite ter uma visão extremamente ampla das escolhas, sentimentos, decisões e pensamentos dos personagens, contribuindo ainda mais para o ritmo dinâmico que a obra ganha do meio para o fim. Nos momentos mais emotivos e profundos, parece que estamos vivenciando a experiência junto com os personagens. A escrita de Celeste é, literalmente, deliciosa. Você inicia a leitura sem pretensão alguma e quando se dá conta já está lendo há algumas horas, sorrindo, com os olhos cheios de lágrimas e sem conseguir parar de pensar na obra. Demora um pouco para nos acostumarmos com todas as descrições, com toda a sensibilidade, mas depois que isso acontece só conseguimos querer mais e mais dessa estreia perfeita que prova que nem toda poesia é feita em versos.
"Jack tinha razão: ela sentia medo havia tanto tempo que se esquecera de como era não sentir — medo de que a mãe um dia sumisse de novo, de que o pai desabasse, de que a família inteira entrasse em crise mais uma vez. Desde aquele verão sem a mãe, a família havia parecido instável, como se cambaleasse à beira de um penhasco. Antes disso, ela não tinha se dado conta de como a felicidade era frágil, como a qualquer momento, se não fosse cuidadosa, ela poderia cair e quebrar".
Quando finalizamos o livro, não somos os mesmos de quando o iniciamos. Isso é uma das coisas que chamam atenção em Tudo O Que Nunca Contei — ele é capaz de modificar o leitor, de, como eu disse, sensibilizá-lo. Todo o conteúdo da trama — família, amizade, expectativas, preconceito — deixa base para muitas reflexões e, conforme vamos lendo, é impossível não as fazer. O mais interessante é que a autora faz a reflexões fluírem sem que seja necessário jogá-las em nossa cara, esfregar o óbvio em nossa testa. Não, não é assim que acontece. Por mais que saibamos que existem muitas intenções por trás da obra, tudo acontece de uma forma extremamente despretensiosa.
A bem da verdade, Celeste foi genial ao desenvolver Tudo O Que Nunca Contei, um livro que definitivamente estava em falta na livraria e que não fica devendo nada para nenhum outro. Para compor da melhor forma possíveis, a autora criou personagens que parecem tão reais quanto nós mesmo — talvez até mais. Todos os membros da família Lee, apresentados de forma profunda e extremamente objetiva, cada um a seu modo, tem uma importante lição a nos passar: a de que toda ação tem uma consequência.
Sabemos que não existem livros que sejam literalmente perfeitos, mas, caso existissem, Tudo O Que Nunca Contei estaria bem próximo dessa rotulação, bem como da de "livro para aprender a ser uma boa pessoa". Para ser sincero, acredito que seja quase impossível alguém não se sentir satisfeito com a leitura, afinal, é um livro extremamente grandioso, em todos os sentidos. Não há nada que incomode o bastante — nem mesmo a narrativa descritiva — e, em virtude de ser extremamente profundo, nada é deixado vago, ou solto no ar, como dizem. A trama é muito boa, instigante, com personagens carregados de profundidade e emoção... não é tudo o que mais buscamos em nossas leituras?
"— Eu não sei. As pessoas formam uma opinião antes de conhecerem você. — Olhou para ele, subitamente ousada. — Mais ou menos como você fez comigo. Elas acham que sabem tudo a seu respeito. Só que você nunca é quem elas pensam".
O que mais chama atenção na relação entre pais e filhos é o desconhecimento mútuo. Os pais não sabem o que seus filhos fazem, pensam ou sentem. Os filhos fazem pouco caso dos pais, vivem juntos mas não se conhecem e isso acaba gerando problemas e consequências para ambos os lados. O que eu mais gostei no livro foi justamente o fato de trazer, nas entrelinhas, essa crítica e esse alerta. Os adolescentes estão vivendo uma etapa difícil, com muitas mudanças. Os pais também têm dificuldades porque ninguém os ensinou a ser pais e, menos ainda, a enfrentar esta nova situação. Isso tudo já é bastante problemático, agora conseguem imaginar isso em uma família onde os pais e os filhos sofrem preconceito, onde todos tem problemas mas optam por sofrem em silêncio?
A edição do livro, lançado pela Editora Intrínseca, é extremamente linda e traz uma atmosfera de segredos escondidos, exatamente o que encontramos no livro. Adorei a capa — mantida a original dos EUA — e acredito que, de uma maneira bem abstrata, ela consegue representar bem as nuances da obra. A diagramação e o design interno seguem os padrões encontrados na maioria dos livros da editora que não possuem a capa dura: simples, mas bonitos. A Intrínseca, como sempre, não deixou a desejar em nenhum ponto.
Por fim, ressalto que os fãs de dramas familiares, principalmente, vão se sentir extremamente felizes com a leitura de Tudo O Que Nunca Contei, mas também é importante deixar claro que crianças, adolescentes e adultos devem, pelo menos uma vez na vida, lidar com uma história como essa, para refletir não somente sobres suas atitudes e a dos outros, mas sobre o significado de família, sobre a vida, o mundo, o amor, a amizade e tudo e todas as coisas. Mais do que um drama familiar, Tudo O Que Nunca Contei é um lembrete poderoso do poder destruidor da falta da compreensão. Quando terminei de ler, eu só conseguia me sentir surpreso e satisfeito.
Primeiro Parágrafo: "Lydia está morta. Mas sua família ainda não sabe disso".
Melhores Quotes: "Descobri que não estou feliz com
minha vida. Sempre tive em mente um tipo de vida, e as coisas acabaram
acontecendo de um jeito muito diferente".
"É o rosto de Lydia, embora não admita, que Marilyn gostaria de ver por último – não o de Nath, o de Hannah, nem mesmo o de James, é no da filha que pensa primeiro e sempre".
"— Sente muito? Pelo quê? Você não
tem por que se desculpar. — Lydia pôs a mochila no ombro. — Na verdade, eu é
que sinto muito por você, apaixonado por alguém que o odeia.
— Pelo menos eu não deixo que os
outros me digam o que quero.
[...]
— Pelo menos eu sei quem sou. O
que quero. — Os olhos dele se estreitaram. — E você, srta. Lee? O que você
quer?"
"— Nunca sorria se não quiser — disse ela. E Hannah, quase ofuscada pelo holofote da atenção total de Lydia, assentiu. — Lembre-se disso".
"As pessoas amam tão intensamente
e têm tantas expectativas para depois acabarem sem nada. Filhos que já não
precisavam de você. Um marido que já não queria você. Não resta nada além de você,
sozinha, e um espaço vazio".
"As mulheres famosas a entediaram.
Suas histórias eram todas iguais: ouviram que não eram capazes; decidiram fazer
mesmo assim. Ela se perguntava se porque realmente queriam ou se porque lhes
disseram que não podiam fazê-lo".
Incrível como pode se ter opiniões diferentes sobre o mesmo livro, achei tua resenha maravilhosa, mas odiei o livro hahahaha.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalhos, resenha muito bem fundamenta, me deu até dúvida sobre eu ter achado o livro tão ruim.
Bruno, não vou mentir, até pouco mais da metade eu estava odiando, mas depois me sensibilizei muito com a história e acabei gostando mais do que imaginei, entende?
ExcluirFico feliz que tenha gostado da resenha.
E não se preocupe, não precisa ter dúvida sobre o que achou. Como você disse, as opiniões são diferentes.
Abraços,
PEDRO OLIVEIRA