Em parte, a decadência dos negócios dos Kemi se deu pela chegada dos produtos sintéticos, que se sobressaíam em muitos fatores aos produtos naturais que os Kemi produziam. A maior e mais respeitada fábrica é a Zoroaster, ou simplesmente ZA, comandada pela família Aster. Enquanto a fama da fábrica de sintéticos crescia cada vez mais, a loja simples dos Kemi caía no esquecimento e eles estavam próximos da falência. Até que um dia, um desastre aconteceu. Pressionada por todos a se casar logo, a Princesa Evelyn, filha do Rei de Nova, decide fazer uma poção do amor para que seu melhor amigo se apaixone por ela e eles possam casar – para Evelyn, seu amigo, que era ninguém menos que Zain Aster, filho do dono da Zoroaster, era o rapaz perfeito para ficar ao seu lado quando ela herdasse a coroa do pai. Mas uma grande confusão aconteceu e foi ela quem acabou tomando a poção. Ao olhar no espelho, a Princesa apaixonou-se por si mesma.
O fato de a Princesa de Nova estar sob efeito de uma poderosa poção do amor deixou todos os súditos perturbados, e, temendo uma destruição, a família real convoca, depois de muitos anos, uma Caçada Selvagem. Basicamente, a Caçada serve para reunir os maiores alquimistas de Nova (mestres junto com seus aprendizes) e fazê-los entrar numa competição para formular uma poção capaz de tirar o reino de apuros – recebendo, claro, uma boa recompensa em dinheiro e poderes.
Quando Sam é convocada junto com seu avô (seu mestre) para a Caçada, vê ali uma boa oportunidade para restaurar a reputação dos Kemi e tirar a loja da decadência. Porém, não será nada fácil ter que enfrentar os Aster – em especial o atraente Zain, seu ex-colega de escola. Mas o pior de tudo: os competidores terão que lidar com a tia de Evelyn, Emília, que quer ver sua sobrinha sem condições de herdar o trono para que ela possa herdar em seu lugar, por isso, fará de tudo para impedir os alquimistas de encontrarem a poção que curará a Princesa.
"As Selvas são para os aventureiros, como Kirsty. Elas não são para pessoas que preferem viver suas aventuras através de personagens de livros. Eu gosto de ficar em casa, muito obrigada, onde sei que posso sempre encontrar uma tomada para o meu laptop, nunca estou a mais de dez passos de uma chaleira para ferver água para o chá e posso dormir embrulhada no conforto do meu edredom" (p. 70).
Essa história é diferente de tudo que já li. Ela se encaixa no gênero Young-Adult (YA) e segue fórmulas que são comuns a esse gênero, mas ainda assim traz um enredo original e bem construído. É uma história simples, sem "pontas soltas" nem nada do tipo. A primeira coisa que me atraiu foi a capa, confesso. É um livro atraente, mas além disso tem uma sinopse "pra cima", jovial, e que com certeza faz jus ao conteúdo. A autora também foi novidade para mim, pois seus trabalhos não são muito conhecidos em terreno brasileiro, então posso afirmar que foi uma boa descoberta nesse meio de YAs.
A narrativa ocorre em primeira pessoa e os capítulos têm como foco tanto a Princesa Evelyn quanto Sam, alternadamente — porém, esta última têm mais capítulos que a primeira, o que torna Sam a protagonista. Realmente não compreendi muito bem os capítulos que tinham com foco a Princesa, já que ela aparecia pouco, mas ao final percebi que foi necessário para que o leitor tivesse uma maior compreensão dos riscos que a poção do amor tinha e o efeito sobre ela. A escrita de Alward também conta com toques diferenciados: apesar de escrever para jovens, ela não abusa muito da elementos como ironia, é uma escrita simples, comum e objetiva. Ela não se atém a detalhes descritivos – tanto é que no início tive dificuldades em imaginar os personagens e o ambiente, mas aos poucos fui formando uma imagem mental por conta própria.
Uma das coisas mais interessantes com que me deparei foi a forma como a história toda foi ambientada. O cenário era um país governado por uma família real, com a presença de elementos rústicos, mas ao mesmo tempo Nova é um reino moderno, com elementos tecnológicos – smatphones, tablets, internet, redes sociais, etc. – e tudo isso com uma grande pitada de magia. Foi uma mistura que deu muito certo, pois mesmo se tratando de uma fantasia, a autora conseguiu trazê-la para dentro da nossa realidade – na medida do possível. Inclusive, conseguiu trabalhar muito bem as cenas de ação com sua protagonista vivenciando toda a correria que a Caçada exigia, mesmo este não sendo o foco da história.
No início, não simpatizei muito com os personagens. A protagonista Sam não tinha uma personalidade definida e tudo ficava meio confuso quando ela precisava tomar uma decisão que mostrava mais de quem ela era. Com o decorrer da história, ela evoluiu até se tornar alguém que pude compreender melhor: cheia de personalidade e que, apesar de ser como qualquer adolescente que pensa mil vezes se o que fala é certo ou errado, não tem medo de que sua opinião não agrede aos outros. Ela passa o livro todo em construção e não sabe bem o que pensar sobre a maioria das coisas: o negócio da família, por exemplo, já que ela se pergunta se não seria melhor que eles se rendessem ao uso dos sintéticos. O mais legal é que Sam se mostra uma personagem que mesmo tendo muita força em si, ainda era cheia de defeitos e inseguranças.
Outros personagens, como a Princesa Evelyn, não me permitiram ter uma opinião muito clara, já que não tiveram suas personalidade bem trabalhadas. Zain é outro bom exemplo, já que a visão de quem ele era foi deturpada durante a narrativa: para Evelyn ele era um tipo de garoto e para Sam era outro – foram poucas às vezes em que a história dava acesso a quem ele realmente era, a sua personalidade, a sua relação com o pai, etc. –, então terminei o livro ainda com essas incertezas. Já outros conseguiram me agradar até mais que a própria Sam, como Kirsty, a responsável por coletar ingredientes para as poções da família Kemi, que tinha uma personalidade definida e suas atitudes eram as mais ousadas da Caçada – o tipo de personagem que sabe se adequar ao cenário.
"Eu tremo e olho para a minha caneca de chocolate quente [...] Chocolate – tantos usos que é uma bobagem enumerá-los todos, mesmo mentalmente" (p. 224).
Mesmo com esses problemas com a personalidade dos personagens e com uma descrição mais detalhada deles, não foi difícil se envolver com a história. A narrativa é tão fluida que o leitor pode se sentir dentro da mesma situação que os personagens sem problemas. Algo certeiro na narrativa foi a forma como Alward explorou Nova e os demais territórios. Cada um parecia representar algum lugar: enquanto Nova poderia facilmente ser uma representação do Reino Unido, Bharat representa a Índia. Cada um deles com sua particularidade – clima, solo, criaturas que os habitam, etc. E o melhor de tudo: Alward conseguiu escrever um YA livre de muita americanização – embora a influência e a comparação sejam, claro, inevitáveis.
Como já comentei acima, a capa é uma das coisas mais atrativas, e provavelmente é uma das mais bonitas da minha estante até agora. Ela tem todo o ar que o livro precisa: jovialidade e doçura. Através dela já se tem o direcionamento do público que pretende atingir, e assim conversa com o enredo com êxito. Não vi problemas de tradução, mas encontrei alguns quanto a revisão – pequenos erros como falta de letras, mas não chegou a comprometer a leitura, podendo passar despercebidos por leitores pouco atentos. Para uma primeira edição, a Editora Jangada acertou muito, e ainda pretende lançar em breve os próximos volumes.
A Poção Secreta é o tipo de livro que prende sem dificuldades e que qualquer leitor que goste de um YA pode ler com prazer de uma só vez – e estar pronto para esperar o próximo! Com uma leitura simples, o livro contém um daqueles desfechos cheios de reviravolta em que o leitor acaba se culpando por não ter previsto aquele final antes. Sou uma daquelas que estão aguardando ansiosamente o próximo. Porém, para quem gosta de um avulso, pode se tranquilizar: A Poção Secreta não é daqueles que têm um desfecho que serve como gancho para o próximo livro, então é praticamente um avulso. Nos próximos o que espero ver é uma evolução maior de Sam e das relações que ela forma, e, claro muito mais aventura.
Primeiro parágrafo: "Uma pequena gota de sangue brota onde a ponta da faca pressionada ponta do seu dedo. Ela o encosta na boca de um frasquinho de vidro e vê quando a gota cai, fazendo o líquido, no fundo, passar de rosa para um azul-escuro profundo".
Melhor Quote: "Não posso continuar reprimindo esses sonhos, sem, pelo menos, tentar torná-los realidade".