Livro: O Menino do Pijama Listrado
Título original: The Boy in the Striped Pyjamas
Autor (a): John Boyne
Editora: Seguinte
Páginas: 192
ISBN: 9788535911121
Sinopse: "Bruno tem nove anos e não sabe nada sobre o Holocausto e a Solução Final contra os judeus. Também não faz idéia que seu país está em guerra com boa parte da Europa, e muito menos que sua família está envolvida no conflito. Na verdade, Bruno sabe apenas que foi obrigado a abandonar a espaçosa casa em que vivia em Berlim e a mudar-se para uma região desolada, onde ele não tem ninguém para brincar nem nada para fazer. Da janela do quarto, Bruno pode ver uma cerca, e para além dela centenas de pessoas de pijama, que sempre o deixam com frio na barriga. Em uma de suas andanças Bruno conhece Shmuel, um garoto do outro lado da cerca que curiosamente nasceu no mesmo dia que ele. Conforme a amizade dos dois se intensifica, Bruno vai aos poucos tentando elucidar o mistério que ronda as atividades de seu pai. O menino do pijama listrado é uma fábula sobre amizade em tempos de guerra, e sobre o que acontece quando a inocência é colocada diante de um monstro terrível e inimaginável."
Nunca me considerei uma pessoa facilmente impressionável. Como alguém que sempre amou escutar histórias — sejam elas verdadeiras ou ficção —, ao me deparar com "O Menino do Pijama Listrado" para ler, acreditei estar preparada para "mais um história sobre o nazismo". Eu estava errada. Nada, creio eu, poderia ter me preparado para a leitura de uma história tão profunda, tão complexa e escondida sob uma fachada simples, como a obra que John Boyne tão brilhantemente criou.
A história se passa na Berlim do século passado, na Alemanha nazista. Bruno é um garoto nove anos, filho de um importante militar nazista, que não pode deixar de ficar chateado por ter que deixar sua mansão e seus amigos em Berlim para se mudar para um lugar remoto e desolado. Como qualquer criança ativa e curiosa, não demora muito para Bruno ir explorar o território desconhecido de seu novo lar, e é em uma de suas excursões que ele encontra uma cerca, um tanto depois dos limites da sua propriedade.
Impedido de passar, o garoto vai criando suas próprias impressões sobre o lugar, já que se trata de um assunto que não é discutido em sua casa. Dentro da cerca, que ele pensa ser uma fazenda aonde as pessoas vivem bem e estão sempre usando seus pijamas, como uma espécie de jogo — apesar de elas sempre parecerem tão tristes! — aos olhos de Bruno, ele conhece um amigo. A cerca que delimita os lados de cada um não impede Schmuel e Bruno de formarem uma amizade, a amizade que tanto um, quanto o outro, necessitavam. Entre eles, não existem nazistas, judeus, ódio, sofrimento e intolerância: apenas dois meninos que, mesmo tão diferentes, são extremamente parecidos, e desenvolvem uma amizade pura, em meio à sujeira do ódio e da dor.
Não é a toa que O Menino do Pijama Listrado é a obra mais famosa de John Boyne. Não é a toa, na realidade, que ele seja um dos autores mais conhecidos e prestigiados da atualidade: entre uma razoável quantidade de livros que já li, posso contar nos dedos aqueles que me fizeram sentir, de uma maneira tão dolosamente real, como esse livro me fez.
Através de uma
narrativa tão simples e delicada, que chega a ser poética, o autor monta um enredo que é quase palpável. A narrativa é em
terceira pessoa, por um narrador onisciente, e a maneira com a qual todos os sentimentos dos personagens são transmitidos é exemplar — mesmo que, na maioria das vezes, se trata de algo muito maior do que isso, já que, apesar da inocente ignorância dos personagens, o leitor consegue perceber o que realmente está sendo narrado, o que, para mim, só
doeu ainda mais.
"Qual era a diferença, exatamente?, ele se perguntou. E quem decidia quem usava os pijamas e quem usava os uniformes?"
O livro de John Boyne é baseado, do começo ao fim, na
ingenuidade de duas crianças de nove anos; Bruno, em especial. É isso que
move o livro, que faz o enredo acontecer e que descreve os fatos ao leitor: tudo o que sabemos é pelos olhos ingênuos de Bruno. Li e escutei diversas críticas ao modo que o autor escolheu retratar a história, afirmações de que um garoto de nove anos "deveria ter algum senso crítico e perceber a realidade". Pessoalmente, não poderia
discordar mais plenamente. E vou além disso: essa falta de "visão da realidade" de Bruno foi apenas mais um dos motivos pelo qual, ao fim da obra, eu não conseguia parar de chorar.
Chorar pela retração, ainda que ficcional, tão condizente com a realidade, de Boyne. Chorar pelo sofrimento vivido por um povo que não o merecia, pelo ódio e ignorância de tão poucos ter atingido tantos, e cegado tantos também. Pelas pessoas cegas que morreram por uma causa pífia, egoísta e desprezível, mas também por aqueles que morreram e sofreram tentando defender o que acreditavam, tentando defender seu direito fundamental de viver e ser livre.
A visão inocente — e, para alguns, não condizente — de Bruno é apenas mais um motivo para a tristeza que abate o leitor após esse livro. E esse é, justamente, o ponto que eu defendo aqui: essa inocência é, sim, verdadeira, mas ela apenas não existe mais. No mundo de hoje, setenta anos depois daquele, é raro e quiçá impossível encontrar tamanha pureza nos olhos de uma criança, tamanho grau de fantasia e ingenuidade que o fazem pensar que um quarteirão cercado, com pessoa tristes e magricelas, vestindo a mesma roupa e trabalhando sejam "pessoas em seus pijamas, jogando um jogo em uma fazenda".
Esse é o diferencial do livro, e o que o torna tão
interessante e atormentador: como somos apresentados a uma visão inocente e confusa, a visão de uma criança ingênua, que está
no meio de uma guerra que não entende. E ele não entende, ele não sabe.
Mas nós sabemos. E isso é o que faz doer tanto, o que toca o leitor e o marca de maneira inimaginável.
É complicado fazer uma crítica à
construção dos personagens, já que, creio eu, eles não são a parte mais importante da história, como geralmente acontece em outros livros. Nos é transmitida, em O Menino do Pijama Listrado, uma visão mais
superficial e básica de cada personagem que não seja Bruno, talvez pela visão infantil do menino, o que dificulta uma crítica apropriada a esses demais personagens. Bruno, por sua vez, é uma peça interessante: por mais que ele carregue tanto da ingenuidade infantil, também vemos que o
egoísmo e mesquinharia também fazem parte da personalidade do menino.
Achei essa uma construção
deveras interessante, pois mostra que, por mais que ele seja uma criança que, sim, deseja o bem e não entende o ódio que presencia, ele também
não saiu completamente ileso do ambiente que o cerca. Ele é as vezes arrogante e muitas vezes egoísta, não se dando conta de que seus problemas são
nada comparados aos de seu amigo, Schmuel; e isso é apenas mais uma das
facetas geniais que o autor se deu ao trabalho de criar.
A edição por conta de
Editora Seguinte é linda e simples, assim como a obra em questão. O trabalho da
capa é perfeito para a história, e possui uma textura mais áspera, para dar um "charme" a mais à edição. A
diagramação interna é extremamente simples, como deveria ser, e não encontrei nenhum erro de revisão e tradução durante toda a leitura, que é relativamente curta, com
192 páginas.
Creio ser impossível colocar em palavras o quanto esse livro me
tocou, e como eu estou certa de que a história de Bruno e Schmuel irá permanecer comigo por toda a vida. É uma visão diferenciada sobre fatos recorrentes, e John Boyne foi magnífico em
nos levar a refletir e lembrar de um episódio lamentável na história da raça humana. Acredito que deveria ser
um livro lido por todos — uma história que irá fazer sua alma doer, mas que te ensinará
compaixão e conhecimento da maldade humana como poucas.
Primeiro parágrafo do livro:
"Certa tarde, quando Bruno chegou em casa vindo da escola, surpreendeu-se ao ver Maria, a governanta da família — que sempre mantinha a cabeça abaixada e jamais levantava os olhos do tapete, — de pé no seu quarto,tirando todos os seus pertences do guarda roupa e arrumando-os dentro de caixotes de madeira, até mesmo aquelas coisas que ele escondera no fundo e que pertenciam somente a ele e não eram da conta de mais ninguém."
Melhor quote:
"Não torne as coisas piores, pensando que dói mais do que você realmente está sentindo"