Livro: A Guerra da Água
Subtítulo: Por que mataremos e seremos mortos no Século 21
Título Original: Klimakriege: wofür im 21. Jahrhundert getötet wird
Autor: Harald Welzer
Editora: Geração Editorial
Páginas: 317
ISBN: 9788581303567
Sinopse: Este livro impressionante e devastador nos informa que neste século XXI os homens não vão mais entrar em guerra, matar e morrer só por causa da economia, da religião e dos conflitos racionais, mas também em conseqüência das mudanças climáticas que podem tornar imensas áreas no planeta inúteis para a sobrevivência. Os espaços vitais disponíveis encolherão e provocarão conflitos armados permanentes. As guerras civis, os poderosos fluxos de refugiados e as injustiças atuais se aprofundarão. Ondas de refugiados climáticos e fugitivos do terrorismo vagarão às cegas pelo planeta. Harald Welzer nos aponta um cenário apocalíptico e adverte: o que estamos fazendo para conter o terror que se avizinha?

O visionário Harald Welzer, nascido na Alemanha em 1958, é professor-pesquisador de Psicologia Social da Universidade Witten/Herdeck. É também o diretor do Centro de Pesquisas Interdisciplinares sobre a Memória do Instituto de Ciências Culturais de Essen. O trabalho pelo qual é mais conhecido é o de uma série dedicada a cientistas proeminentes. Autor dos livros Vovô nunca foi nazista: o nacional-socialismo e o Holocausto na Memória Familiar e Criminosos: como pessoas perfeitamente normais se transformam em assassinos de massas, traz mais um fruto de pesquisas e debates constantes em seu cotidiano: A Guerra da Água.

    Trazendo uma análise séria e argumentativa, esta obra de Harald Welzer trata de uma constatação sociológica e antropológica, revelando as mazelas humanas que fazem com que cheguemos ao ponto de nos preocuparmos com uma guerra em torno de recursos naturais. Com um caráter de previsibilidade, A Guerra da Água soa um alarme para o futuro e faz reflexões acerca de como o ser humano lida e lidará com a perda de recursos básicos para sua sobrevivência e pacificidade coletiva. Para isso, Welzer retorna aos acontecimentos do passado, que mostram o quanto a humanidade falhou — então se pergunta se ela continuará falhando.
     Um dos assuntos para os quais Welzer mais chama a atenção é o Holocausto, a participação alemã na Segunda Guerra Mundial, a perseguição a diversas classes que supostamente atrapalhariam o desenvolvimento da linhagem ariana (como judeus, comunistas, negros, homossexuais, ciganos e deficientes). Este acontecimento catastrófico que marcou e manchou a sociedade mundial é o que Welzer chama de Fenômeno da Injustiça Global, que, segundo ele, será agravado pelas variações climáticas e todo o processo de conflitos sociais estarão inseridos nos conflitos ambientais/climáticos.
    O sistema de refugiados que chega em grande massa em países do Ocidente neste século em consequência das guerras travadas no Oriente, também são outro ponto analisado por Welzer com toda a delicadeza. Os países ocidentais têm hesitado cada vez mais em receber refugiados devido a expansão do terrorismo (neste impasse, se tem uma época pré-11 de setembro e pós-11 de setembro) no mundo inteiro, que tem como alvo principal os países modernizados, que buscam ter o racionalismo como foco de grandes e "ameaçadoras" mudanças culturais. A preocupação não se trata apenas daqueles que vem de fora, mas também dos que fazem parte da própria nação e anseiam por destruí-la devido à influência externa que recebem através do avanço das mídias sociais. Portanto, Welzer constata que o mundo de hoje preza a segurança de forma tão demasiada que deixa de lado direitos civis e humanitários, ou seja, a ética e os valores morais são esquecidos em prol de um bem maior.

    Livros de não-ficção podem ser bastante atrativos dependendo do tema tratado. Sem dúvida falar a respeito de conflitos sociais oriundos de mudanças climáticas parece algo bastante fora do tempo — a sociedade costuma ter em mente que as catástrofes ambientais estão distantes de ocorrerem, mas não percebem que isto já está acontecendo a cada dia que passa. Há aqueles que acreditam que existe uma saída para todo problema. A perspectiva otimista está distante de fazer parte da visão de Welzer. Quando soube do livro A Guerra da Água e me interessei em lê-lo, logo pensei em água literalmente (aquela velha história de que a água do nosso planeta está acabando). Porém, ele vai muito mais além e mostra que a preocupação com o ambiente em que vivemos deve ser mais atenta se não quisermos enfrentar graves situações.
    O autor faz uso de algumas citações ao longo da obra e retrata o ponto de vista de diversos autores de diferentes áreas. Uma das características mais presentes no livro é a de interdisciplinaridade: mesmo focando em sua especialidade, que é a Psicologia Social, Welzer mergulha em outros fatores relevantes para suas argumentações. Fazendo constante uso de gráficos, tabelas, pesquisas antigas e atuais, e uma vasta bibliografia, Welzer enriquece a obra de forma a torná-la concreta, fugindo assim do rótulo que muitos tentam empregar: o de futurista.

"Enquanto a astronomia não nos oferecer planetas próximos o bastante que possam ser colonizados, chegamos à constatação desapontadora de que a Terra é apenas uma ilha. Não teremos mais para onde nos expandir, depois que as reservas tenham sido esgotadas e os campos de cultivo ocupados pela urbanização" (p. 14).

    Algo a ser destacado e que foi, particularmente, uma grande surpresa, é que ele não busca culpados, não põe a culpa nos humanos de forma cega e automática. Welzer apenas constata tudo o que foi feito (reconhecendo que muitas coisas foram realizadas de forma inconsequente) e busca apontar o que falta atualmente para que tudo melhore — mesmo que ele não carregue em si muitas esperanças. Esse foi um forte diferencial, porque o que se vê em muitas obras é que o passado é sempre muito visado e o ser humano é a espécie medíocre que não se preocupa com o amanhã. Welzer, por sua vez, chama a atenção para as grandes organizações e afirma que o pensamento coletivo vale mais que o individual. Defende a ideia de que as mudanças podem partir de cada um, mas a maior delas provém dos altos escalões, que não se preocupam com nada além do lucro, visto que nos encontramos em uma sociedade capitalista — daí a falta de expectativa.
    O autor procura mostrar que os problemas ambientais já são uma realidade latente. Se não fosse assim, a preocupação com novas formas de viver não estariam sendo focadas por tantos grupos (o aumento da demanda e energia solar, o uso de biocombustíveis e carros movidos à eletricidade, etc.). Quando fala do sistema de refugiados, por exemplo, afirma que muitos deles não fogem apenas das guerras de seus países natais, mas também de mudanças climáticas que, consequentemente, reduzem seu espaço de sobrevivência e eliminam a possibilidade de usufruir de recursos naturais básicos para a sobrevivência.

"A inserção do problema climático dentro e um arcabouço cultural e o recuo de uma lógica de alternativas frequentemente fatais e mortíferas significa uma oportunidade para um desenvolvimento qualitativo, especialmente quando a situação se demonstra tão crítica como um simples lançar de olhos sobre a situação presente já está indicando. Uma fixação em escolher uma via entre uma aparente encruzilhada que leva a becos sem saída nos fecha as possibilidades de pensar de forma diferente e de modificar nossas atitudes a fim de procurar soluções que ainda se acham à nossa disposição, mas estão se distanciando e cada vez se afastam para mais longe" (p. 279).

    A grande sacada de Welzer foi retratar a sociedade humana exatamente como ela é: todas as suas fraquezas, os benefícios e malefícios que causam, nada fora do comum, nada que não conheçamos de perto. A cada tema tratado nos vários capítulos, ele enquadra seus argumentos e perspectivas às constatações, realizando uma análise própria mas cheia de embasamentos. Para isto, o autor utiliza uma linguagem acadêmica, porém crítica e levemente provocativa. Conclusivamente, a obra promove reflexões de como melhorar a situação do planeta e evitar possíveis guerras e conflitos. 
    Toda a estrutura da obra foi bastante satisfatória. O autor utiliza diversos recursos (além dos gráficos e tabelas já citados) como notas de rodapé que mostram não apenas as obras utilizadas, mas também servem para acrescentar considerações mais aprofundadas. Esta é a segunda edição (sendo a primeira publicada em 2010) e não vi problemas com a revisão. A tradução está de parabéns, pois, além de notas do próprio autor, o tradutor também complementou muito o livro com informações que facilitam a compreensão do leitor — especialmente com a tradução abrangente do alemão para o português. A Itaipu Binacional, que trabalha com geração de energia limpa e renovável, apoiou a obra com patrocínio devido à proposta da mesma.
    De forma geral, A Guerra da Água é um livro que leva à diversas reflexões sobre o cotidiano que vivemos e aquele que poderemos viver. De forma alguma é um livro futurista — está longe disso —, ele mostra com riqueza de detalhes uma visão realista do que pode vir a acontecer e do que já está acontecendo. Em sua perspectiva, o mundo não pode cruzar os braços, mas Welzer sabe que dificilmente haverá grandes mobilizações enquanto a situação não se agravar de forma a ser sentida na pele de cada um de nós. Enquanto isso, só nos resta esperança de transformar não apenas o planeta e a sociedade, mas nossa maneira de pensar.

Primeiro parágrafo: ""Um leve tinir atrás de mim fez com que virasse a cabeça. Seis negros caminhavam em fila, percorrendo penosamente a senda estreita. Eles avançavam eretos e devagar, balançando pequenos cestos cheios de terra nas cabeças, e o ruído acompanhava cada um de seus passos. (...) Eu podia contar-lhes as costelas, as articulações de seus membros lembravam os nós de uma corda; cada um deles trazia uma goliha, um anel de ferro soldado ao redor do pescoço, todos interligados por uma corrente frouxa, cujos elos excedentes pendiam entre eles: era seu avanço compassado que fazia com que os elos tilintassem em um ritmo regular". Esta cena, descrita por Joseph Conrad em seu romance intitulado "O coração das Trevas", descrevia a época de maior florescência do colonialismo europeu, distando dos dias de hoje pouco mais de cem anos".
Melhores quotes: "Não se pode modificar a velocidade ou o destino de um trem somente por nos virarmos na direção oposta à que está correndo. Conforme declarou Albert Einstein, nenhum problema pode ser resolvido pelo emprego dos mesmos parâmetros que conduziram a seu aparecimento. O que temos de fazer é mudar completamente o trajeto e, para isso, a primeira coisa a fazer é parar o trem".
"Fundamentalmente, os problemas ecológicos não são problemas provocados pela natureza, que trata todas as espécies da mesma forma, mas somente problemas sociais, provocados pela cultura humana desenfreada, que acabou por ameaçar sua própria existência".

    


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