Livro: Assim Se Pariu o Brasil
Autor: Pedro Almeida Vieira
Editora: Sextante
Páginas: 318
ISNB: 978-85-431-0340-2
Sinopse: Há mais de 500 anos houve um pequeno povo, oriundo de um minúsculo pedaço da Europa, que descobriu, diz-se por engano, um pedaço da costa sul-americana. E depois mandou para lá mais naus. E mais gentes. Por lá atacou índios e foi atacado por eles, aliou-se a nativos, procriou com índias, trouxe negros da África, procriou com negras, mandou jesuítas pregarem terra adentro, meteu-se em cultivos e garimpos, perambulou pelo sertão, navegou por rios parecidos com o mar. Ainda lidou com a cobiça de outros países europeus sedentos em filar seu quinhão. Tudo isso só poderia resultar em sangue e crueldade, mas bem misturado com coragem e sagacidade.
 
 Nascido em Coimbra, Portugal, o escritor, jornalista e investigador acadêmico, Pedro Almeida Vieira, já realizou grandes feitos no meio literário. Além de ter colaborado em periódicos de popularidade, publicou quatro romances, dois volumes de narrativas históricas e diversos contos em revistas ou antologias. Agora, com a publicação de mais uma narrativa históricaAssim se Pariu o Brasil — relata como um "rato" feito Portugal pariu um "gigante" feito o Brasil.

    Desde sua colonização até sua independência, o Brasil passou por muitas etapas importantíssimas para sua formação histórica, o que o fez ser o que é hoje. Tudo isso é contado em Assim Se Pariu o Brasil. Com uma narrativa ampla, clara, e por vezes opinativa, Pedro Almeida Vieira traz um relato angular sobre a história do nosso país. Desde seus primórdios de descobrimento por parte dos portugueses (que não ocorreu exatamente em 1500, como o autor procura esclarecer, mas sim alguns anos antes durante expedições informais à região Norte) o Brasil era movido por pura ganância. Seja por ouro, escravos ou status. Isso só nos faz entender, logo de início, como o Brasil chegou ao que é atualmente: um país que tem como legado a ambição e corrupção de seu povo e de seus representantes.
    Outro fator marcante na narrativa histórica: as guerras, algo que nunca pode faltar quando se fala de disputas territoriais. E, claro, o Brasil foi muito disputado pelos países europeus, como Espanha, Holanda e França. Mas aquele que venceu a disputa foi realmente Portugal (mesmo tendo ficado preso durante muito tempo ao acordo da União Ibérica, onde a Espanha era a supremacia máxima e deteve poderes sobre a colônia brasileira por muito tempo). Obviamente que os confrontos não se resumiram apenas entre os europeus. Os nativos também queriam reclamar seus direitos (e com toda razão!). Conflitos com índios e negros africanos (forçosamente em terras desconhecidas e que nunca pediram para conhecer, o fazendo da pior forma possível) tornaram-se coisas comuns. E a corda sempre pendendo para o lado mais fraco.
   O país como colônia de exploração justifica seu crescimento desordenado, pois, por sua quantidade incrível de riquezas aos olhos dos europeus, todos queriam tirar uma "casquinha". E quando o faziam, não se importavam de semear algumas desgraças pelo caminho. A participação jesuítica, com seu proselitismo, explica a propagação da religião católica no Brasil — o que não deixou de fazer parte do etnocídio causado pelos portugueses, porém de forma mais pacífica, pois os jesuítas comumente defendiam as tribos nas quais se instalavam e alguns deles contribuíram para que a escravidão de índios não se tornasse mais intensa do que já era. Alguns clérigos chegaram até mesmo a guerrear, utilizando armas de "homem branco" bem como o arco e flecha comum para o povo indígena.


    Meu gosto por livros de não-ficção é bastante amplo, mas sinto que minha absorção é maior e mais contemplativa quando se trata de algo sobre meu país. Há um quê de sentimento patriótico envolvido, mas o fato de conhecer o lugar onde vivo para entender melhor a atual situação, também influencia muito. Senti um pouco de ceticismo quando li que o autor é português, confesso. Mas, no fim das contas, sua forma paradidática de tratar a história brasileira, é de uma polidez impecável — ou seja, também me foi essencial pra quebrar esse preconceito. Nada me parece tão correto quanto aquele ditado de que "o passado nos faz compreender melhor o presente" ao terminar de ler um livro como esse.
    A obra é narrada do ponto de vista do autor, contendo inclusive, observações pessoais. Passa a impressão de que ele nos dá uma aula, ao mesmo tempo em que opina, mostra seu ponto de vista, e, consequentemente, nos faz pensar. Não basta apenas mostrar o ângulo natural da historicidade como os livros didáticos contam. Inserir opinião própria faz com que aquele que está buscando adquirir conhecimento, pense também, fazendo seus próprios questionamentos e reflexões.
   Os títulos dos capítulos são carregados de um humor inteligente e sagaz. O início de cada um traz uma reflexão contundente e instigante, de forma a incentivar a leitura. Outro aspecto muito importante da escrita de Pedro Almeida Vieira, é sua narrativa que foge da frieza característica dos livros didáticos de história. Quando se trata de retratos históricos, é difícil pensar como tudo aconteceu de uma perspectiva emocional. É o que ocorre em Assim se Pariu o Brasil: quando narra os conflitos, os derramamentos de sangue, o sofrimento, o etnocídio, etc., o faz com sentimento. E esse sentimento perpassa também o consciente de quem lê.


"São comuns os episódios históricos que mostram grandes esperanças culminando em trágicas calamidades. O tempo passa e o amanhã que cantava a boas-novas nunca chega. Da esperança se passa ao desânimo; o desânimo se transforma em lamúria; a lamúria se desfaz em falatório, e assim vai, até que, de repente, tudo é questionado" (p. 119).
 
   As notas de rodapé foram detalhes bem presentes — e relevantes — durante a leitura, que mostrou a preocupação do autor em dar uma maior riqueza descritiva a respeito de pequenos fatos históricos selecionados por ele como sendo importantes. O nível de pesquisa que o autor fez também foi abrangente. Isso é mostrado logo ao final do livro quando as penúltimas seis páginas são ocupadas com a bibliografia, que por sua vez, é permeada com várias obras de autores brasileiros que, assim como Pedro Almeida, também deram grande contribuição na manutenção da história do Brasil.
   Duas coisas me chamaram a atenção no conteúdo da obra com mais fervor que as outras. A primeira foi a forma como Pedro Almeida mostrou a questão do descobrimento do Brasil, trocando a palavra "descobrimento" por "achamento", e deixando claro que este era o termo mais apropriado. Revelou que, nos livros de História de Portugal, também se relata "Achamento do Brasil", e então critica o fato de que os brasileiros aceitem o termo "descobrimento" com conformidade. O outro fator que me deixou bem contemplativa ocorreu durante a leitura do capítulo que trata sobre os quilombos, dando o destaque merecido para o grande Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi, e até o hoje o lugar é referência tombada em Alagoas — o estado em que nasci e vivo. A questão é que nunca encontrei uma narrativa tão bem detalhada a respeito da história de meu estado e ao mesmo tempo carregada de sentimentalismo.
   Os personagens que foram retratados na narrativa são reais e são aqueles que fazem parte da história do Brasil — portanto, figuras mais conhecidas e que temos oportunidade de sabermos um pouco mais sobre. Esse aprofundamento nas personalidades históricas foi bastante interessante porque não os dividiu entre "mocinhos" e "vilões". As rebeliões que tinham por objetivo depôr líderes, por exemplo, serviam mesmo para fazer com que outros líderes (os oprimidos e marginalizados) surgissem e prosseguissem com os males da corrupção. Isso ocorre mesmo com os heróis, que, claro, têm seus devidos lugares de destaque na obra.

"A culpa é do tempo, do espaço e das circunstâncias, que se metem em tudo e tudo mudam [...]. Um valente soldado hoje pode parecer um mercenário sanguinário amanhã. Um teneboroso conspirador de ontem, um pacifista resoluto hoje. Amanhã um herói de hoje será um crápula" (p. 89).

   Todos os capítulos foram bem interligados e divididos em boa ordenação. Com as notas de rodapé, é possível acompanhar o pensamento narrativo, e voltar — ou adiantar — algum capítulo para que se entenda melhor determinada parte da história.
   A edição ficou realmente incrível. Desde a capa até as ilustrações internas. Estas feitas com muita eficácia e originalidade pelo jornalista, crítico de música e ilustrador, Enio Squeff. Sua colaboração para o livro foi essencial para dar o toque certo de dinamismo e fluidez à narrativa. Além de tudo, há o uso de tags no começo dos capítulos, que indicam quais assuntos serão abordados em cada um, e, para situar o leitor, há um sumário tradicional e o sumário das tags — uma sacada genial!
   Nem sempre a história é fascinante como lemos nos contos de fadas. Livros como Assim se Pariu o Brasil são comumente "crus" e "duros" por mostrarem com toda a clareza e realismo o que nos fez chegar até onde estamos, de acordo com o rumo que nossos antepassados tomaram. Não me cabe aqui analisar a didática que o livro utiliza, mas mesmo ainda não sendo um material recomendado no meio pedagógico, isso não tira sua importância como um bom complemento daquilo que é ensinado nas escolas. Além de ser uma fonte aprofundada de inúmeras informações, que, de outra forma, poderiam nunca chegar até nós, nem nos instigar a fazer nossas próprias questões.

Primeiro parágrafo do livro: "A maior incógnita para quem se aventurava pelos mares durante a chamada Era dos Descobrimentos era saber se, durante ou depois de uma tempestade, continuaria vivo. Ser pego por tormentas era quase inevitável; chegar à terra, seco ou molhado, muito incerto. Mais ainda, no local exato. Por vezes, não era o previsto. Restava depois saber se a chegada à praia seria na horizontal, aos trancos e barrancos, levado pelas ondas, ou na vertical, saltando de um bote. E ainda, se se sobreviveria terra adentro. Para tudo isso, era necessário destreza, mas também muita sorte".
Melhor quote: "Aristóteles escreveu que a realidade é a única verdade. Máxima certeira se houvesse apenas uma realidade. Porém sabemos que a realidade é paradoxalmente volúvel e depende dos distintos pontos de vistas dos observadores. E são tantos que, não poucas vezes, e com tão distintas perspectivas e interpretações de um só acontecimento, ficamos, enfim, com várias verdades".



4 Comentários

  1. Sou fã desse tipo de leitura, não tenho nenhum livro com essa temática, achei super interessante o tipo de abordagem. Quero muito ler.
    https://souadultaagora.blogspot.com.br/

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  2. olha gente. Esse menino possui idéias interessantes e criativas assim como as suas, e ele também adora ler e eu sou inscrito no canal dele, da uma olhada e talvez promova se quiser:

    https://www.youtube.com/watch?v=r751iIaiyss

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  3. Olá, Bianca!
    Achei a temática do livro bastante interessante e até coloquei na wishlist! Mesmo sendo algo crítico, realmente nos dá uma aula de cultura e história! Adorei sua resenha! Adorei o seu blog e já estou seguindo *-* Voltarei mais vezes! Adoraria receber uma visita sua no meu blog e ficaria muito feliz se seguisse também. Valeria muito para mim :)
    Beijos, Garota Vermelha
    www.livrosdagarotavermelha.com.br

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  4. Eu realmente sairia valendo da minha zona de conforto se lesse algo desse estilo. A Historia além de não ter sido minha materia das mais favoritas na escola, é revoltante saber, agora adulta, que tu do que foi contado foi uma mentira. Sem entrar no mérito da politica atual e do que fizeram e estão fazendo com o Brasil. Achei o título bem pertinente e como tu sitou, o patriotismo sempre aparece (por cima da revolta). As ilustrações realmente dão mais vida ao que está sendo lido e embora não seja uma referencia de leitura, gostei da maneira com que tu comentou ele: melancolia, curiosidade e instrução.

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