Livro: A Livraria dos Finais Felizes
Título original: The Readers of Broken Wheel Recommend
Autor (a): Katarina Bivald
Editora: Suma de Letras
Páginas: 334
ISBN: 9788556510150
Sinopse: Sara tem 28 anos e nunca saiu da Suécia — a não ser através dos (vários) livros que lê. Quando sua amiga Amy, uma senhora com quem troca livros pelo correio há anos, a convida para visitá-la na cidade de Broken Wheel, Iowa, Sara decide se aventurar. Mas ao chegar lá, descobre que Amy faleceu. Sara se vê desacompanhada na casa da amiga, em uma cidade muito pequena, e começa a pensar que talvez esse não seja o tipo de férias que havia planejado. Com o tempo, Sara descobre que não está sozinha. Nessa cidade isolada e antiga, estão todas as pessoas que ela conheceu através das cartas da amiga — o pobre George, a destemida Grace, a certinha Caroline e Tom, o amado sobrinho de Amy. Logo Sara percebe que Broken Wheel precisa desesperadamente de alguma aventura, um pouquinho de autoajuda e talvez uma pitada de romance. Resumindo: a cidade precisa de uma livraria.

Katarina Bivald nasceu em Estocolmo, na Suécia e cresceu trabalhando em livrarias. Para onde vai, sempre tem que levar um livro e em sua casa as prateleiras são repletas deles (correntemente tenta convencer a irmã de que prateleiras para jaquetas e sapatos de inverno é completamente desnecessária e que elas estariam melhor ocupadas com livros, mas sua irmã se recusa discutir isso e o fato de que o banheiro também seria um bom lugar para guardar livros). Bivald declara ainda não ter se decidido se prefere pessoas a livros, mas tem certeza de que as pessoas sempre parecem mais interessantes na literatura. Entretanto, concorda que ler um livro e não ter ninguém para discutir sobre ele é deprimente. A Livraria dos Finais Felizes é sua primeira obra, tendo sido publicada em mais de 25 países.

    A cidadezinha de Broken Wheel, no interior do estado de Iowa, nos Estados Unidos, parece ser um pequeno paraíso para Sara, a garota que é simplesmente viciada em ler. O seu conhecimento sobre o mundo se resume àquilo que lê nos livros, e sobre Broken Wheel, se resume àquilo que lê nas cartas de Amy Harris, sua amiga à distância com quem troca livros. Elas nunca se conheceram pessoalmente, e Sara se anima quando Amy a convida para passar as férias na cidade. Porém, Sara sente-se completamente sem chão quando, ao chegar em Broken Wheel, descobre que Amy faleceu recentemente. Ela acaba ficando hospedada na casa enorme da finada amiga e tem a impressão de que está cada vez mais sozinha. 
    Porém, as coisas começam a melhorar quando Sara passa a conhecer os habitantes da cidade, dos quais Amy sempre falava pelas cartas. Sara percebeu que conhecia quase todas as referências e as personalidades dos moradores dali apenas pelo que Amy lhe escrevia. Além de descobrir que não está só, Sara também descobre que Amy já previa que ia morrer antes mesmo que convidá-la para ir à Broken Wheel, pois estava muito doente. Isso deixa Sara intrigada e por muito tempo ela não sabe como se sentir com relação a isso.
    A relação de Sara com os moradores de Broken Wheel vai se desenvolvendo aos poucos, cada qual a sua maneira. Mas sua relação com o sobrinho de Amy, Tom, não é das melhores. De início, a moça se dá conta que ele não é um homem muito fácil de se lidar, e também que ele não parece ir muito com a cara dela. Porém, os outros habitantes da cidade não parecem perceber isso, já que sempre tentam juntar os dois a cada oportunidade. Com o passar do tempo, Sara vai se adaptando a nova vida na cidade, abre uma livraria na qual ninguém põe fé, e se torna mais sociável chegando até a adiar algumas leituras para passar o tempo na companhia de seus novos e excêntricos amigos. No final das contas, Sara passa a ver que não apenas a cidade a está transformando, mas ela também está transformando a cidade — e tem um objetivo para si: fazer com que os moradores de Broken Wheel comecem a ler livros.

    O que mais me instigou no livro logo de início foi o fato de ele falar sobre livros. Um livro que fala sobre o poder mágico que os livros podem ter nas pessoas é sempre motivo de curiosidade, e claro, expectativas altas, já que é um assunto que exige atenção, afinal, a responsabilidade é grande. Então a identificação com os pensamentos postos no enredo a respeito da maravilha que é ler um livro, folhear suas páginas, a sensação gostosa de entrar em uma livraria e se sentir em outro mundo, o sentimento que se tem por um livro com uma história especial, e, o que não poderia faltar, o cheiro que das páginas impressas. Todos esses elementos, junto à uma história leve, divertida, e ao mesmo tempo emocionante, formam um cenário de perfeição.
    A escrita de Bivald é clara, fluida e rica em detalhes. A livraria dos finais felizes tem a magia de nos transportar para o cenário, sendo cada pedacinho de Broken Wheel bem explorado, assim como seus moradores — mas na medida certa, nada fatigante. Para quem já leu Nicholas Sparks e seus romances que se passam em pequenas cidades, pode entender melhor do que estou falando. É exatamente assim que acontece com a descrição de Broken Wheel e seus personagens cheios de hábitos e personalidades próprias. Mas as comparações param por aí, pois se trata de uma obra com grandes toques de originalidade e, visivelmente, feita com muito amor.
    A narrativa se passa em terceira pessoa e tem como foco principal a protagonista. Mas também há capítulos em que os pensamentos e cotidianos de outros personagens também ficam em evidência, no entanto, de forma mais superficial do que ocorre com Sara, a quem os capítulos são mais dedicados. No início da maioria dos capítulos, há amostras das cartas que Amy mandou para Sara, desde quando a troca de livros entre as duas começou até a última que Amy lhe enviou antes de falecer. Tudo isso dá um toque muito emocional ao livro e pode ajudar o leitor a unir certas peças.

"Para mim, o terrorismo ainda é a imagem de homens brancos, ativos na sociedade, parados diante do corpo queimado e linchado de um negro, felizes com o resultado do trabalho deles. John diz que penso demais nas injustiças históricas. Talvez esteja certo, mas é que para mim elas não são históricas. Parece que nunca conseguimos aceitar nossa responsabilidade por elas. Primeiro, dizemos que é assim que as coisas são, depois damos de ombros e dizemos que era assim que as coisas eram e agora elas estão diferentes. Não graças a nós, quero responder, mas ninguém parece querer ouvir isso" (pp. 99-100).

    Algo que me deixou muito contente ao longo da leitura foi constatar que o amor de Bivald pelos livros estava transparecendo abertamente. Ela faz citações e várias referências a outras obras, como uma lembrança de quando Sara as leu, e assim faz com que adentremos em outros mundos além daquele contido no próprio livro (e, obviamente, pode deixar qualquer leitor ávido pelas novas leituras que ela apresenta). Para quem não consegue imaginar a vida sem livros, é um prato cheio para entender a alma da trama, assim como os sentimentos da protagonista.
     O mais curioso do livro é que ele constrói muitos aspectos da cidade de Broken Wheel (especialmente sua história) e seus personagens, através do olhar de Amy, mostrado apenas nas cartas e pelo que os outros falam dela. Visivelmente era uma pessoa querida, cuja perda deixou feridas profundas. Porém, mesmo sendo uma personagem das mais importantes para o desenrolar de todo o enredo, tem sua visão reduzida. Isso não é exatamente algo ruim, pois a partir de tudo o que ela fala nas cartas, a forma como se expressa e conta suas impressões a respeito das coisas, dá para montar uma imagem de quem ela foi e o que representou: com certeza uma daquelas personagens que provoca o desejo de convidar para um chá no fim da tarde.
    Sara é o tipo de pessoa que se encontra em qualquer biblioteca ou livraria — ou talvez ela seja você! Sempre com a mente mergulhada em uma aventura literária, ela se distancia do mundo a medida que se aproxima dos livros, viajando em suas páginas. Isso pode ser comum no início, mas o fato é que Sara não tem um bom relacionamento no meio em que vive, na Suécia: seus pais são muito autoritários e controlam as rédeas de sua vida, ela não tem muita perspectiva para seu futuro e procura não pensar sobre ele, não tem amigos, pessoas próximas com quem contar... Então, pode-se concluir que a leitura era mais um refúgio que um entretenimento. Ao chegar em Broken Wheel e conhecer os moradores de lá, Sara percebe que sua vida realmente não tinha a menor graça, e que precisava tanto de uma nova vida quanto aquela cidade. 
    Os personagens secundários são muito bem construídos. Cada morador tem sua história, sua personalidade e visão de mundo. Será impossível não destacar alguns deles aqui (todos merecem, na verdade), como o "pobre" George, que teve sua vida em frangalhos quando foi abandonado por sua mulher e filha quando se perdeu no vício do álcool. Ou Caroline, a religiosa fervorosa, a solteirona que exala respeito por onde passa e que sempre está tentando impôr autoridade em Broken Wheel intimidando a todos, mas esconde seus fantasmas e sofrimentos por se preocupar demais com o que os outros irão pensar. Há ainda Andy, o rapaz gay cheio de brilho nos olhos e dono de um bar que aspira badalação; por fim, Tom, que parece detestar Sara e faz questão de mostrar o estranhamento que sente por ela preferir livros a pessoas. A morte de Amy abalou as estruturas de todos eles, mas a chegada de Sara leva novos ares a vida de todo mundo.

"Embalagens de cigarro vinham com avisos, por que livros trágicos não podiam ter? Havia frases nas garrafas de cerveja para avisar que ninguém devia beber e dirigir, mas nenhuma palavra sobre as consequências de ler livros sem lenços à mão" (p.131).

      Algo que pode parecer incômodo a alguns tipos de leitores é a previsibilidade que o enredo parece ter, com destaque para o desfecho. O final é do tipo mais aguardado e algumas coisas só parecem ocorrer para causar dramas repentinos que conduzam os personagens pelo caminho "certo". Isso pode ser encarado de forma positiva ou negativa. Optei pela positiva, já que o todo da história conseguiu me convencer e me encantar com os traços de originalidade. Por isso, para quem pretende ler o livro, é bom que saiba que há muitas coisas positivas a serem consideradas e que compensarão o que quer que pense sobre o final.
     A capa me conquistou logo de primeira: a garota com a cabeça enfiada num livro, como se o estivesse cheirando ou lendo (as duas coisas podem ser muito agradáveis), sem dúvida é uma ótima representação de Sara, com a xícara de café ao lado e as pilhas de livros espalhadas em todo lugar, de costas para o mundo atrás de sua janela. A contracapa também teve um modelo muito bonitinho, aliás, essa é a impressão que o livro passa como um todo, conversando bem com seu enredo. O título, embora diferente do original, não ficou ruim, faz tanto sentido quanto a edição em inglês.
    A Livraria dos Finais Felizes é a prova de que a literatura sueca não é boa apenas com os romances policiais, e Bivald merece mais que parabenizações por isso. Se trata de uma leitura muito leve, divertida, que pode arrancar emoções de diversos tipos, mas dificilmente decepcionará. O amor pelos livros está em cada página, em cada palavra. Mais que uma história de amor, comédia ou drama, é sobretudo uma história de paixão pela literatura e mostra o bem que ele pode ser capaz de causar em cada pessoa. Para quem ama ler, é o livro perfeito. E para quem não ama, depois da leitura, pode parar e repensar essas ideias!

Primeiro parágrafo: "Querida Sara, espero que goste de An Old-Fashioned Girl, de Louisa May Alcott. É uma história encantadora, apesar de um pouquinho mais moralizante que Mulherzinhas".
Melhores quotes: "Era engraçado, pensou, como as pessoas sempre se mantinham no caminho mais seguro, se fechavam e mantinham os olhos no chão, fazendo o melhor que podiam para não olhar para a vista fantástica da vida. Como não viam as alturas a que haviam chegado, as oportunidades que as esperavam, não percebiam que deviam apenas pular e voar, pelo menos por um instante".
"O que havia de tão interessante na realidade? [...] Com os livros, ela podia ser quem quisesse, estar onde quisesse. Podia ser durona, bonita, charmosa, dizer a frase perfeita no momento perfeito e... viver coisas. Coisas reais. Que aconteciam com pessoas reais".






Um Comentário

.