Livro: História dos Jornais no Brasil: Da Era Colonial à Regência (1500-1840)
Autor: Matías Marínez Molina
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 530
ISBN: 9788535925364
Sinopse: Jornalistas, professores, estudantes e aficionados da imprensa no Brasil costumam lamentar a falta de trabalhos sobre a história da atividade no país. Resultado de décadas de pesquisa, este livro do jornalista Matías Molina vem preencher o vazio. O projeto prevê a publicação de três volumes capazes de abarcar toda a história da imprensa no país, desde suas primeiras manifestações no Brasil colônia até os dias atuais. Primeira etapa de um grandioso empreendimento, este volume dá a dimensão do escopo e rigor do projeto e ainda comprova o engenho do autor, um dos poucos no país capazes de produzir um trabalho tão minucioso quanto necessário.

O jornalista Matías Martínez Molina nasceu em Madri e se licenciou em História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Foi editor-chefe do grupo de revistas técnicas da editora Abril — foi nessa época que lançou a revista Exame. Também fez outros trabalhos editando a seção de Economia da Folha de S. Paulo, sendo correspondente em Londres e editor-chefe da Gazeta Mercantil. Autor do livro Os melhores jornais do mundo, traz agora um novo trabalho importantíssimo para a sua área, que se dividirá em três volumes.

    Uma história que é contada em partes mostra como a divulgação de notícias — sejam elas de várias origens — surgiu no Brasil. Este primeiro volume aborda a imprensa no período colonial, no tempo em que o Rio de Janeiro era sede da Corte, estende-se até a época da Independência, quando os jornais foram palco de renhidas disputas políticas e termina com a ascensão de D. Pedro II ao poder, na década de 1840. Como epílogo, traz uma análise dos fatores que condicionaram o desenvolvimento da imprensa no país e ajudam a explicar a baixa penetração dos jornais na sociedade brasileira.
    Desde que o nosso país se tornou colônia de Portugal, houve uma preocupação por parte de pequenos grupos em passar informações para o povo (óbvio que inicialmente isso não incluía os nativos ou aqueles de classes mais baixas). Muitos obstáculos foram impostos na tentativa de estabelecer uma comunicação fora do padrão de comunicados oficiais da Coroa Portuguesa. Qualquer coisa que fosse contra o governo português sofreria risco de ser censurado — no melhor dos casos. História dos jornais no Brasil mostra como a censura ocorria de forma dura e os perigos sofridos por aqueles que tentavam burlar o sistema por vontade de tornar o Brasil um país diferente e de maior nível informacional.
    Percebe-se como a hereditariedade de um país como Portugal, que trouxe para o Brasil toda a sua cultura, crenças e mais um pouco, se faz presente até os dias de hoje. Retornando bastante no tempo, o livro abrange todos os aspectos históricos de influência portuguesa. O fato é que Portugal também se espelhava no restante da Europa: Espanha, por exemplo, que constituiu a União Ibérica por muito tempo junto à ele; França, com ideais de liberdade abolidos por Portugal veementemente; Inglaterra, o símbolo de sofisticação e de grandes avanços nas mais diversas áreas (especialmente tecnologia, algo vital para o crescimento do jornalismo brasileiro); etc. Dessa forma, faz-se um contraponto com os outros países e mostra como eles influenciaram nossa formação jornalística — e essa influência perdurou por um longo tempo até os Estados Unidos da América tomarem posição de dominância na globalização.
 
    Quando peguei em um exemplar deste livro pela primeira vez foi pelas mãos de meu professor de História do Jornalismo um dia depois de seu lançamento. Muito empolgada por ver uma obra que parecia ser tão completa, cheguei a ir para a sessão de autógrafos que ocorreu em uma livraria de minha cidade e conheci pessoalmente o autor — com o qual só tive contato através de seu trabalho jornalístico na revista Exame. Por isso, assim que tive a oportunidade, adquiri o livro com a editora. A animação deu lugar à uma análise minuciosa, o que ocorre sempre que preciso fazer uma resenha da obra, porém, esta foi feita com mais afinco, já que através dele, pela primeira vez, o leitor tem acesso a uma compreensão ampla de como o jornalismo foi forjado e construído no Brasil.
    Como foi bem dito por Carlos Eduardo Lins da Silva, que escreveu o prefácio, a literatura acadêmica do jornalismo brasileiro é muito precária. Pouquíssimos escritores ou profissionais da área se dispuseram a falar a respeito dos jornais impressos ou das técnicas utilizadas para escrevê-lo. Em sala de aula, boa parte dos materiais que os alunos de jornalismo (nos quais me incluo) têm que utilizar para seus estudos são provenientes de autores estrangeiros — inclusive, como foi apontado por Carlos Eduardo, um dos principais escritores do jornalismo brasileiro é português. Portanto, História dos jornais no Brasil veio com a promessa de trazer para o cenário literário e acadêmico algo completo e nunca visto antes.
    Molina escreve com uma linguagem clara, objetiva e muito acadêmica. Sem emoções ou qualquer tipo de fuga ao foco, traz para a literatura uma análise muito "enxuta", ampla e com bastante credibilidade. Contando a história de cada periódico que se fez importante para a formação intelectual, cultural, didática e informacional do Brasil, Molina consegue tocar em todos os pontos e analisar inúmeros autores, interpondo sua visão pessoal ao mesmo tempo em que buscava um conjunto de valores em cada impresso analisado. Põe na balança lados positivos e negativos sem demonstrar afeição particular, o que configura como uma posição honrável no meio jornalístico — e difícil de ser encontrada. Mostra também como os jornais influenciaram diretamente na história e na opinião popular, o que pode levar a refletir o quanto disso ainda se encontra presente na sociedade brasileira.

"As barreiras impostas por Lisboa para o desenvolvimento da economia e, principalmente para a instrução e a formação da população local, teriam consequências no longo prazo. Como escreveu a historiadora Emília Viotti da Costa, a ignorância e o desinteresse observados no Brasil no fim do período colonial eram fruto da falta de cultura e da ausência de uma tradição de participação política" (p. 40).

    Contar a história do país através de jornais é diferente de contar a história como realmente aconteceu — ou como se especula que aconteceu. O livro mostra as duas visões, fazendo um paradoxo e assim, o leitor pode concluir para qual lado cada jornal pendia, desde os mais revolucionários até os mais conservadores. Dessa forma, mostra que a história não é algo fixo, como muitos afirmam. Ela se encontra em constante movimentação porque é criada a partir do olhar dos espectadores e das circunstâncias em que se encontram. É, portanto, um trabalho de construção e desconstrução constante, então Molina apresenta hipóteses e suas respectivas contradições, sem assumir postos. 
     Outro detalhe admirável na obra foram as críticas que Molina fez a outros autores que utilizou como referência e que, como ele, se dispuseram a escrever sobre jornais. Porém, o tom crítico contraditório é respeitoso. Molina faz correções de obras antigas, esclarecendo os erros e os fatos recém-descobertos (afinal, se a história não é fixa, este livro veio para atualizá-la). História dos jornais no Brasil se tornou, então, uma obra sincera, sem que o autor tivesse a preocupação de dar dados definitivos numa situação de incerteza e sem fontes confiáveis. As últimas páginas são dedicadas às notas de referência, aos créditos das imagens digitalizadas e ao índice remissivo. O trabalho do autor com as notas foi muito complexo, pois se aprofunda mais nos assuntos, fazendo com que o leitor não se arrependa de interromper a leitura para ir até o final e lê-las, complementando o conhecimento. 
    Todos os personagens que fizeram parte da história dos periódicos (ou de uma história coincidente) são citados e suas vidas são trabalhadas. Apesar de ter algumas figuras mais sensatas que outras, umas vindo para ajudar e outras para atrapalhar o desenvolvimento da informação no Brasil, Molina não os divide como "mocinhos" ou "vilões", como outros autores fizeram — muitas vezes influenciados por um forte recorte ideológico. Inclusive, tais autores foram citados e suas visões a respeito dos personagens que compuseram o cenário da trajetórias dos jornais brasileiros, foram analisadas, tornando os autores também personagens desta história que foi construída aos poucos e baseada em inúmeras versões.
    Apenas uma coisa me incomodou um pouco durante a leitura: a repetição de muitos temas e até mesmo citações. Isso não se torna prejudicial no cenário acadêmico (há alguns que incomodam mais que o normal, e História dos jornais no Brasil não chegou a tanto), mas acaba se tornando cansativo em alguns pontos. A impressão que dá é que, como o autor construiu o livro aos poucos, jogando na narrativa suas mais recentes análises, isso o fazia voltar a um assunto já mencionado anteriormente. Isso serve para fixar, mas pode mostrar falta de revisões complexas para torná-lo ainda mais objetivo.
    O aspecto do livro foi bem expressivo com uma capa sóbria para um livro sóbrio, onde mostra a estampa de um jornal antigo. Quanto à formatação diagramática, houve certo problema com as figuras: algumas ficaram muito juntas ao canto interno das páginas, devido a proximidade destas com a lombada, o que acabou atrapalhando um pouco a visualização. O livro não tem erros em sua linguagem, apresentando um bom trabalho de revisão neste sentido.
    História dos jornais no Brasil tem um ótimo ritmo acadêmico, o que me faz acreditar que daqui a um tempo, quando a obra se estabelecer, ela será considerada um trabalho amplo e respeitável nos cursos de jornalismo. Se faz extremamente necessária para este meio, por isso acredito que terá como alvo principal os estudantes que estão em fase de formação e os profissionais nesta área, assim como todos aqueles que se interessarem pela história de como constituímos um meio tão importante para nossa sociedade através dos séculos: o jornal impresso, pois, mesmo sendo um assunto relegado devido à sua baixa popularidade e recente decadência, ainda influenciou muito nossa construção social.

Primeiro parágrafo: "A comunidade jornalística brasileira tem esperado por este livro com grande ansiedade. Praticantes, professores, estudantes e aficionados da imprensa no Brasil sempre lamentam a inexistência de um trabalho satisfatório que abarque com abrangência e alta qualidade analítica a história dos nossos jornais".
Melhor quote: "Os governos já recorreram à violência física, às ameaças, à arbitrariedade e á tortura para eliminar as críticas da imprensa. Ultimamente vêm mostrando preferência por comprar os elogios com dinheiro ou favores. A imprensa tem uma memória longa para lembrar que as alternativas mencionadas de pressão ou persuasão não foram necessariamente abandonadas, e também para saber que há circunstâncias em que a subvenção, direta ou indireta, é mais insidiosa e pode ser mais perigosa para a liberdade de imprensa do que as ameaças".




2 Comentários

  1. Oi Bianca, achei bem diferente de tudo o que estou acostumada a ler. Vou dar uma conferida porque pelo que vi vale a pena fazer a leitura da obra.
    Beijos
    Quanto Mais Livros Melhor

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  2. Me interessou muito esse livro, não é meu tipo de leitura, mas suas resenhas nos despertam a curiosidade. Darei uma conferida!!

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