Lynsey Addario nasceu nos Estados Unidos, mas seu lar passou a ser mais abrangente desde que começou a atuar como fotojornalista há duas décadas, tendo seus trabalhos publicados regularmente em veículos como The New York Times, Time e National Geographic. Cobriu conflitos no Afeganistão, Iraque, Líbano, Darfur e Congo, tendo recebido diversos prêmios, como o MacArthur Genius Grant e o Pulitzer de Reportagem Internacional. Agora, ao publicar É isso que eu faço, conta toda a sua trajetória e as impressões pessoais que podem ser transmitidas não apenas com fotos, mas também com palavras. Os direitos cinematográficos da obra foram adquiridos por Steven Spielberg em produção que contará com Jennifer Lawrence no papel de Addario.
Desde que ganhou sua primeira câmera, logo no início da adolescência, Lynsey Addario passou a nutrir uma paixão incondicional por fotografar, que só tendia a crescer. Seu maior hobby se tornou um hábito compulsivo e, mesmo não tendo muito profissionalismo, Lynsey estava sempre disposta a aprender e fazer melhor, conseguindo empregos mesmo quando ainda era uma amadora. Seus sonhos não se resumiam apenas a retratar o cotidiano, era mais que isso. Ela queria viajar para outros lugares, estar em meio a aventuras cheias de adrenalina, conhecer culturas e pessoas novas, e, acima de tudo, mostrar para o mundo o que ela estava vendo através das lentes de sua câmera — e foi assim que se tornou uma fotojornalista de guerra.
É muito difícil não encontrar, nos dias de hoje, alguém que não se interesse por fotografia. Você que está lendo esta resenha, provavelmente gosta de tirar ou admirar belas fotos. Se esse é realmente o caso, faça o seguinte: pegue esse gostar e multiplique por 1000 — assim chegará ao que Lynsey Addario sente a respeito dessa oitava maravilha. O surgimento da fotografia, datado no século XIX, promoveu um forte impacto em todo o mundo, especialmente no meio jornalístico. O que ocorria era que, antes dos jornais passarem a adotar imagens em suas páginas, tudo era feito à base da descrição, e os leitores eram obrigados a usar a imaginação. Porém, isso tornava a notícia pouco confiável, já que sempre se pode aumentar uma coisa ou outra na histórias. As fotos chegaram para quebrar justamente isso, e trazer algo concreto e de credibilidade para o que se está noticiando.
Ao mesmo tempo em que se dedicava ao trabalho, que prosperava cada vez mais, Addario se vê abrindo mão de sua vida pessoal, que incluía seus relacionamentos amorosos. Estes acabavam se complicando quando ela precisava passar meses em outro país fazendo cobertura de casos com sua câmera em mãos. Manter o equilíbrio estava cada vez mais complicado, e ela chegou a passar por maus bocados em sua vida afetiva, mesmo que seu trabalho sempre se sobressaísse e a distraísse das coisas difíceis pelas quais passava (por mais que as situações com que ela se deparava na hora de cumprir com as "normas" da profissão a deixassem ainda mais horrorizada).
Entrar em contato com algo tão espetacular quanto o mundo da fotografia, para mim, só se compara a sensação de conhecer mais o jornalismo. Unindo as duas coisas, o pacote fica perfeito. O primeiro interesse que tive em relação ao livro foi a curiosidade: por que escolher uma profissão em que você tem que estar no meio de um conflito tão torturante, presenciar cenas tão medonhas e terríveis, e sem falar do risco que corre de morrer a qualquer instante (basta um erro, um segundo a mais, e acabou?). São questões que faço a mim mesma desde que notei como é processo de um jornalista de guerra — mais perigoso do que pensava. A resposta que tive com É isso que eu faço me encantou em todos os sentidos e foi bastante convincente: a paixão. Correr riscos não se compara ao prazer de estar fazendo aquilo que ama. Isso foi mais que uma simples resposta, serve mais como uma lição.
A narradora em primeira pessoa é a própria Lynsey, que conta, a partir de seu ponto de vista e de forma romantizada (às vezes até um pouco dramática demais) todas as suas lembranças acerca de sua vida pessoal e profissional — ela não separa as duas coisas na obra, embora, na vida real, elas tenham entrado em atrito constante e quase nunca se entendiam totalmente. É um livro de memórias cheios de fotografias registradas por ela ou por terceiros. Sua escrita é simples, objetiva e clara, ao mesmo tempo em que é cheia de emoções, tornando-a instigante.
Suas impressões sobre todas as coisas pelas quais passou são postas de uma forma tão real que é impossível não se pôr em seu lugar, sentir ao menos um terço do que ela sentiu. Ao mesmo tempo em que a leitura se tornava dramática tendo em vista todas as coisas pelas quais Addario passou em sua profissão, ela também é divertida, já que a capacidade da autora de ser irônica com diversas situações é latente. Além disso, não é uma narrativa linear. Inicia-se com a descrição de um dos momentos mais difíceis de seu trabalho e segue em frente através de uma linha do tempo invisível, fazendo pequenas interrupções para contar fatos do passado.
"Quando volto para casa e avalio meus riscos de forma racional, as escolhas se tornam difíceis. Mas, quando estou fazendo meu trabalho, me sinto viva e eu mesma. É isso que eu faço. Tenho certeza que existem outras versões da felicidade, mas essa é a minha" (p. 29).
O que mais
chama a atenção na obra são as
imagens que dão uma dinâmica especial e cumpre o principal papel da fotografia:
embasar fatos. As imagens correspondem àquilo que a autora narra, muitas delas tiradas pela própria. Infelizmente,
algumas não tem boa resolução, pois muitas são de um período no início do ano 2000 quando as câmeras ainda não eram tão modernizadas nem preparadas para enfrentar as cenas de guerra.
Em conjunto com a narrativa vibrante, as fotos compõem um contraste perfeito e realístico. A preocupação de Addario para descrever o cenário, a situação, os fatores implicados ali e suas próprias sensações, foram conciliadas de maneira impressionante e não se tornou enfadonha ou repetitiva. Pelo contrário,
a leitura manteve-se leve do início ao fim.
Os personagens da obra foram construídos a partir da visão de Addario, e aqui entra outra questão: a visão ocidental da escritora em choque com culturas orientais e crenças distintas. Lynsey não era uma profissional quando começou a atuar no fotojornalismo, e mesmo tendo feito seus primeiros trabalhos em terreno latino-americano — diferente daquele em que nasceu e foi criada — se deparou com uma realidade completamente diferente quando pisou pela primeira vez no Afeganistão, o seu primeiro contato com o Oriente. A sensação de desconforto inicial foi substituída pela graduante compreensão, aceitação e adaptação. A grande capacidade de passar por essas três etapas sem se deparar com turbulências e conflitos pessoais, fez com que Addario se tornasse a profissional que é hoje.
Enxergar as pessoas como elas são — mesmo possuindo visões distintas do mundo —, sem preconceitos e superioridade, foi o que tornou Addario alguém honesta na hora de passar para o leitor a realidade dos personagens que retratava. Ela os inseria em um contexto, com o qual não estamos habituados, e nos faz ver o que ela via nas lentes de sua câmera: pessoas que precisam de compreensão e não julgamento. Sua vida foi moldada nesses termos e foi isso o que ela tentou passar em cada palavra. O mais interessante é que, a partir da forma como ela descreve a si mesma, o leitor também começa a ter uma ideia de como a escritora é, ao mesmo tempo em que acaba a enxergando de um ponto de vista parcial ao que ela mostra.
"A tristeza e a injustiça com que me deparei como jornalista poderiam me fazer afundar na depressão ou abrir a porta para uma nova visão de minha própria vida. Escolhi a segunda opção" (p. 198).
Com o advento da internet, a fotografia passou a fazer parte da vida de todos, porém, isso chegou a um ponto em que o encanto por essa arte — como é considerada por muitas pessoas — passou a ser quase inexistente, de tão comum que se tornou. Um livro repleto de trabalhos fotográficos, longe do alcance tecnológico, traz uma ideia diferente, e consequentemente, provoca reações diferentes. Addario traz impacto com sua forma de retratar o mundo, e ao mesmo tempo, encantamento — o que chega a ser estranho, já que se trata do retrato de situações de horror. O que ela acaba passando é que o que se deve ter é amor por aquilo que fazemos, é o que garantirá que o façamos da melhor forma possível, com o máximo de empenho, e, no final das contas, seremos reconhecidos por isso. A mensagem não poderia ser mais maravilhosa.
Esta edição do livro ficou muito atraente. As páginas são de papel couchê magno (como nas revistas), ou seja, refletem a luminosidade ambiente. Isso pode ser um problema porque se torna difícil encontrar uma posição em que o livro seja legível (dificultou bastante na hora de tirar as fotos!), mas esse é o modelo praticamente padrão de livros de fotografia, então, como boa parte do livro é composta disso, a impressão neste tipo de papel torna a resolução melhor, e é o que ocorre com as revistas também. A revisão, aparentemente, não apresentou erros. A capa e diagramação simples conversaram bem com a riqueza do miolo recheado de imagens, que roubaram — propositalmente — a atenção.
É isso que eu faço traz à tona uma visão de mundo literal e emocional de uma forma difícil de ser encontrada, sem a frieza conveniente que lembra os noticiários e sem emoções dramáticas. A pura e simples realidade é retratada por Lynsey Addario de forma tocante, triste e encantadora ao mesmo tempo (sim, isso é possível!). Suas fotografias, assim como suas palavras, cumprem um papel social importante, além de nos trazer as mais diversas sensações, criando uma montanha-russa da literatura. Porém, uma das lições mais impactantes deixadas na obra é aquela que mostra o significado de fazer o que ama, lutar pelo que quer, buscar dar o seu melhor em qualquer situação por mais que pareça impossível e nunca desistir, porque em algum momento tudo pode valer a pena.
Primeiro parágrafo: "Eu estava diante de um hospital de paredes sem tinta, sob a luz perfeita de um céu matinal em Ajdabiyah, uma cidadezinha no litoral norte da Líbia, a mais de oitocentos quilômetros de Trípoli. Eu e vários outros jornalistas observávamos um carro que fora atingido durante um ataque aéreo naquela manhã. A janela traseira explodira, e restos humanos estavam espalhados por todo o banco de trás. Havia parte de um cérebro no banco do passageiro, e a tampa interna do porta-malas estava cravejada com pedaços de crânio. Funcionários do hospital recolhiam os pedaços com cuidado e os colocavam em um saco. Peguei a câmera para fotografar uma cena que já tinha fotografado tantas vezes e em seguida abaixá-la, abrindo caminho para os outros fotógrafos. Mas não consegui fazer isso nesse dia".
Melhor quote: "A fotografia moldou minha visão de mundo. Ela me ensinou a olhar para além de mim mesma e captar o mundo lá fora. Também me ensinou a valorizar a vida para a qual volto quando largo a câmera. Meu trabalho me torna mais capaz de amar a família e rir com os amigos".
Oi Bianca, tudo bem? Apesar desse tipo de livro não fazer parte do que estou habituada a ler, acho que darei uma chance para esse. Pelas fotos me parece que a edição está muito bonita. Adorei a resenha.
ResponderExcluirBeijos
Quanto Mais Livros Melhor
Oi, Priscila. Tudo, e com você?
ExcluirSim, as fotos são incríveis, e apesar de ser baseado em algumas experiências trágicas, é um livro muito bom que me fez pensar bastante! Ah, e obrigada!
Beijos!!
Excelente texto! Um dos melhores livros que li este ano!
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