Sinopse: Este livro, estreia
impressionante de um jovem e talentoso escritor, é o relato pecaminoso de um
decadente. A história de um homem
religioso e carismático, temente a Deus, mas amante insaciável de sua própria
carne exótica, a carne de outros homens. Um pastor gay, casado com uma
ex-prostituta, filho de uma fanática religiosa. Neurótico e depravado. E agora
condenado. Internado num hospital, debilitado e com um segredo de uma tonelada
nas costas, este personagem atormentado decide libertar-se de seus demônios e
relatar seu drama. Num relato cru e sem censura, ele literalmente vomita seus
trinta anos de calvário e charlatanice na cara da congregação (e de qualquer um
que se interesse por um bom inferno). Sexo, paranoia, corrupção e destruição
são os ingredientes tóxicos dessa obra provocante, polêmica e inovadora.
O jovem
escritor paranaense Gustavo Magnani,
também idealizador do maior blog literário do Brasil – Literatortura –,
apresenta em primeira mão sua mais nova estreia no universo literário: Ovelha: memórias de um pastor gay, com
a promessa de ser mais um best-seller nacional, enriquecendo nossa literatura
brasileira contemporânea com um tema inovador para os dias atuais.
Todos sofrem
dilemas ao longo do caminho que percorrem na vida. Mas algumas pessoas se
deparam com peculiaridades vistas pelos olhos de muitos como sendo improváveis,
ou como aberrações – visões que podem
ser influenciadas por vários meios, como o religioso, por exemplo. E é
exatamente essa a trama do livro, ao retratar as memórias de um pastor que, ao se
descobrir homossexual, lutou contra tudo em que acreditava e contra si
mesmo para aceitar-se como tal – o que, em momento algum, ocorre de fato, pois
ele buscava todas as saídas possíveis para se ver "livre" do que sentia, mas, ao
mesmo tempo, seus esforços acabavam sendo em vão quando ele não resistia a fazer
o que considerava (e pregava) ser errado.
Enfermo,
internado num hospital católico, o pastor, vendo-se a beira da morte, resolve escrever uma espécie de carta, que acaba
se transformando em relatos aleatórios
sobre sua vida e sobre seus pensamentos
acerca do mundo religioso em comunhão com o resto do mundo. Medindo de
acordo com o que fez ou viu enquanto tentava conciliar sua vida dupla: uma dentro de casa
e da igreja, com seus filhos, sua mãe e sua esposa; e a outra, desregrada, marcada pelo adultério com homens e mulheres, com os quais, de certa forma, chegou a
construir histórias que o marcaram.
Além disso,
deixa claro que as memórias também servem para que ele peça perdão a todos aqueles a quem magoou ou
enganou com a vivência dessa dualidade, a qual escondia muito bem. Dividido em quatro partes, o livro
mostra a imagem de um homem decadente, covarde e infeliz, pressionado pela
própria mãe e pelo peso que ele acatou que ela pusesse às suas costas, alguém
que não soube aceitar a si mesmo por estar preso
a dogmas ligados mais às outras pessoas do que à própria religião.
Aceitei ler o
livro de bom grado por acompanhar o canal do YouTube e o blog literário do
autor, que sempre citava o livro e quando ele seria lançado, fazendo com que me interessasse cada vez mais pela
história. Sua peculiaridade em
meio a outras leituras do tipo que já tive acesso, e sua promessa de polemizar a
questão “homossexualidade vs. religião”
era-me muito atrativa. O lado polêmico e provocativo não chegou a me afetar
totalmente, mas a linha de pensamento
me deixou satisfeita, tocando em assuntos pungentes para quem, como eu, segue a
religião cristã.
A
narrativa seguiu de forma
aleatória, e, já no início, o autor
utilizou-se da
metalinguagem,
fazendo com que o personagem explicasse para o leitor que em alguns momentos
faria uma
narrativa linear, e, em
outros, apenas filosofaria,
dissertaria
sobre o que lhe viesse à mente — tão moribunda quanto o corpo. Uma linguagem
muito bem trabalhada (imposta de um jeito a combinar com o que era narrado em
seus capítulos curtos),
ora polida, ora
informal, cheia de vícios,
símbolos
cibernéticos fazendo menção à sexualidade e
palavrões – esta segunda forma, dando um peso maior à história.
Também captou perfeitamente a linguagem usada em
cultos de adoração comuns em igrejas protestantes.
"O empirismo não é a base de todo raciocínio lógico... se fosse assim, silenciaríamos os estudiosos de leis gays porque são héteros? Parece-me tanto uma disputa de ego, meu pastor: quem está no privilégio de dizer? Quem tem as melhores articulações, não quem sofreu na pele".
Alguns
capítulos me chamaram atenção por
serem reservados a uma opinião própria,
sendo social e religiosa, fugindo,
como sempre, da linearidade, e mostrando uma visão de mundo sincera e brutal.
Uma alta dose de sarcasmo foi um
ponto essencial da história, deixando de lado o politicamente correto que se
faz presente (e isso pode ser visto com bastante frequência nos tempos atuais)
em todos os âmbitos, especialmente sociais e religiosos. A quebra desse tabu na narrativa tornou tudo mais leve – e, em minha
visão, não tanto provocativo como parecia propor (o que não significa que
algumas pessoas não podem escandalizar-se).
Por momentos,
pensei que o livro sofria de erros de revisão, pois o emprego de letras minúsculas nas iniciais de nomes
próprios e em referências à Deus era muito frequente, mas, então apercebi que, quando outra pessoa citava os tais nomes, a inicial maiúscula era empregada.
Então, provavelmente a diferença estava com o personagem narrador: como quando
citava a sua mãe, por exemplo, era sempre como “Mamãe”, e um
parentesco tratado com inicial maiúscula dá um significado de superioridade, o que faz todo o sentido ao decorrer
da história.
A mãe do
protagonista era posta na berlinda em muitos capítulos, e, em alguns momentos,
parecia
mais superior que Deus na
vida do pastor; pela sua autoridade que empurrara o filho pelos caminhos que
ela achava que ele deveria seguir. O personagem afirma que não havia
escapatória, que seu destino fora traçado por Deus e pela mãe,
negando o livre-arbítrio que — pela
religião que pregava — devia acatar. Foram personagens construídos com o mais
alto grau de humanidade – com muitos
erros, acertos, pecados, corrupções, hipocrisias, etc. — e, em cada um deles, o
protagonista
encontrava um refúgio,
algo em que se apoiar para justificar suas falhas, desde seus “amores
proibidos”, até seus filhos, a quem dedicou todo o amor e as melhores palavras
das memórias.
A dubiedade do pastor também é um tópico
que merece destaque. Por estar numa posição relativamente alta perante a
igreja, seus questionamentos eram
por demais variados, como questionar a
existência de Deus, por exemplo. Logo em seguida, mudava de ideia,
arrependia-se. Estava em gradual
modificação por dentro, mas para os outros, mantinha a capa de homem
correto e íntegro, que pregava veementemente contra a homossexualidade. E, mesmo
durante seus momentos de luxúria com amantes secretos, ele não era totalmente
honesto, mentindo sempre sobre si
mesmo.
Toda a vitimização e drama do personagem principal, fez com que ele se tornasse pequeno
diante de sua própria história, e isso foi um
pouco incômodo. O tom provocativo,
mesmo com ironias bem aplicadas, deixou a desejar, tornando cenas, que deveriam
ser realmente ousadas, em cômicas,
soando como algo forçado, por fugir
de sutilezas. Entretanto, a dualidade e os fortes personagens citados – mesmo
que poucas vezes – na obra, além de um grande
poder argumentativo durante as reflexões do protagonista, foi bem
satisfatório.
O trabalho
simples da diagramação fez com que a
história fluísse com precisão e polimento. A capa, que lembra a estrutura de uma bíblia tradicional, deu um contraste a toda a temática da obra,
dando o ar de seriedade e passando a
mensagem crua, fria e dura que a obra pretende realmente passar.
Ovelha – Memórias de um pastor gay, tem
uma abordagem forte, pondo em voga
um tema que tem sido cada vez mais discutido, e por isso, com certeza tem o
poder de atrair bastante público, que, por sua vez, para enxergar a obra como
um todo, deve se livrar de pensamentos
arraigados de qualquer tipo de influência (principalmente ideológica).
Faz-se necessário um conhecimento social e religioso acerca do assunto, para
que seja tratado com a maturidade e sensibilidade que merece.
Primeiro parágrafo do livro:
“Perdão, comecei agressivo demais, senhor. É a falta de experiência. A mão
suada, de tantas punhetas, segura outro objeto em riste, a caneta; não tão
habituada à minha textura, ela teima em escorregar nas palavras e desviar os pensamentos”.
Melhor quote: “Deus escolheu
as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e as fracas para
confundir as fortes”.