Livro: Um Passo Atrás
Título original: One Step Behind
Autor: Henning Mankell
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 504
ISBN: 978-85-359-2604-0
Sinopse: Suécia, solstício de verão. Três amigos se encontram numa reserva natural fantasiados com trajes do século XVIII para celebrar a noite mais longa do ano. O que não sabem é que estão sendo observados. Cada um deles acaba assassinado com um único tiro. Quando um dos mais confiáveis colegas de Kurt Wallander – alguém com quem ele contava para resolver o caso – também aparece morto, o inspetor logo desconfia de uma relação entre os dois crimes. Recuperando-se da morte de seu pai e obrigado a encarar o declínio da própria saúde, Wallander tenta desvendar os planos do assassino. Desesperado para encontrá-lo antes que ele ataque outra vez, o inspetor, no entanto, sempre parece estar um passo atrás.

    O escritor Henning Mankell, um dos grandes escritores de investigação policial da contemporaneidade (intitulado “o rei do crime” pela revista The Economist), é natural de Estocolmo (Suécia). Tendo falecido no ano passado (2015), em Gotemburgo, aos 67 anos, deixou um legado com suas histórias repletas de suspense e mistério, além de ter tido participação efetiva no universo teatral, atuando como diretor de diversas peças. Grande parte de sua produção publicada no Brasil, levou o nome da editora Companhia das Letras e agora, a editora lança nova edição de uma de suas obras protagonizadas pelo inspetor Kurt Wallander.

    Tudo começa com um crime. Quatro jovens amigos são assassinados a sangue frio durante a comemoração tradicional do solstício de verão, em que trajavam fantasias antiquadas, como uma brincadeira pessoal, quando fingiam que viviam em outra época. Muito tempo se passou sem que o caso dos jovens desaparecidos ganhasse alguma relevância para a polícia sueca. Mas a mãe de uma das jovens que participaram da festa, não estava convencida da história que parecia óbvia: que os amigos decidiram viajar sozinhos pelo mundo, sem avisarem a ninguém de seus planos. Cartões postais com a assinatura deles eram enviados de diversos países da Europa. Mesmo assim, aquela mãe tinha certeza que o cartão que sua filha supostamente enviara, era uma farsa.
   A partir de então, a polícia sueca resolveu dar mais atenção ao caso, depois de tanto tempo. Quem assumiu o controle das investigações foi o inspetor Wallander, que, já beirando os 50 anos, divorciado e com uma filha já adulta, é um policial de renome na região que atua. Porém, o caso não pode receber todo seu zelo, já que sua saúde está bastante comprometida – Wallander descobre que tem diabetes, e que ela já está em um nível avançado. Diante de tal situação, o inspetor fica muito tentado a jogar sua carreira para o alto, inclusive o caso dos jovens, que vem lhe tomando tanto tempo. Mas o que corre em seu sangue não são apenas os “grãos de açúcar”, mas sim, o anseio de resolver mistérios.
   Em meio a todas as investigações que mal haviam se iniciado, um novo crime ocorre: um dos colegas de trabalho de Wallander e que assumiria o caso com ele, Svedberg, aparece morto em seu apartamento. Ele fora assassinado, e Wallander tem o pressentimento que aquilo só pode ter sido obra da mesma pessoa que assassinou os quatro amigos. Então ele inicia uma busca alucinada, atrás de pistas que são pouco sólidas. Logo, o inspetor e sua equipe descobrem estarem lidando com um serial killer, bem ao estilo americano, e decidem que irão fazer de tudo para que ele não ataque outra vez.
   Este foi o primeiro contato que tive com uma obra de Henning Mankell. O gênero investigativo e de suspense foi o que me instigou no início. Mais uma vez uma narrativa investigativa me surpreendeu de forma positiva. A originalidade e criatividade de ligar bem todos os pontos foi muito cativante em Um Passo Atrás. Uma narrativa realista e que toca também em um gênero mais dramático que ilustrou perfeitamente o cenário de mistério.

   A narrativa se dá em terceira pessoa com um narrador onisciente que teve como foco o inspetor Wallander e o assassino – que não teve a identidade revelada logo de início, mas ainda assim, teve seus pensamentos e iniciativas expostas ao longo dos capítulos. A alternação ocorria de forma bem natural e em alguns momentos não dava para distinguir em qual dos dois personagens se concentrava o foco narrativo, sendo preciso que eu voltasse a leitura diversas vezes. Um aspecto interessante foram os períodos curtos, que facilitaram bastante na fluidez da leitura. Mankell tem uma escrita bem detalhada e descritiva, rica em seu vocabulário, de um jeito simples de ser compreendido, então as frases bem formuladas e sucintas, deixavam que o leitor absorvesse cada parte da história – dividida em duas: uma em que se iniciam as investigações, e outra em que o inspetor já avança em suas descobertas e novos crimes são previstos.
   Procuro não criar expectativas em livros de mistério – pois, quando a história não é bem amarrada no final, nada mais faz sentido – e com esse não foi diferente. Quando se há um herói como Wallander, normalmente se torna inevitável não fazer comparações com livros que usam a mesma artimanha. Porém, diferentemente de grande parte de livros do mesmo gênero, Um Passo Atrás tem um realismo incrível. Além da investigação, também é abordado como tema secundário o trabalho policial. Ao longo do enredo, o autor mostra a realidade da polícia sueca através de seu próprio protagonista, que abusa de seu poder em alguns momentos e chega a violar a lei em nome da lei. A falta de esperança na humanidade e a forma como as autoridades lidam com a sociedade e com a mídia também são temas postos em discussão.

“Sempre concordava. Era a única maneira de driblar os obstáculos da vida, pensou, e escapar das dificuldades e armadilhas que pudessem cruzar seu caminho” (pág. 8).


    O protagonista não é o mocinho perfeito, que consegue desvendar os mais profundos segredos de olhos vendados, que tem um físico que o ajuda a seguir o vilão da história em qualquer circunstância e que é um protótipo perfeito de Sherlock Holmes. Muito pelo contrário. Só o fato de ele ter problemas de saúde e uma massa corporal acima da média, já indica que a história não será aquele romance perfeito. Wallander, apesar de ser um profissional de renome e muito respeitado, ainda é construído por Mankell como um ser humano passível de erros (bem como de acertos). Às vezes suas deduções contêm falhas que põem em cheque a vida das pessoas. Todas as possibilidades são avaliadas e algumas descartadas depois que sua equipe constata que não fazem mais sentido. A sensação que dá é que aquilo é realmente uma verdadeira investigação.
    Os demais personagens são muito bem construídos, tendo sua relevância em níveis diferentes e bem claros ao longo da história. Mesmo o narrador onisciente não os abrangendo como focos, suas personalidades são reveladas às vistas de Wallander, que os conhece o suficiente para nos dar um panorama da importância de cada um para a investigação. Como são todos colegas de profissão há anos, seus dramas também são revelados como elementos secundários para o decorrer do enredo e do próprio caso. Dentre os que mais me cativou, se encontra Nyberg, o detetive forense que tem um humor gélido e é muito introvertido, mas muito sincero e sempre cumpre com suas obrigações ao fazer um trabalho bem feito.
   O ritmo do enredo não foi de todo ruim. Mas, se tivesse que exigir algo a mais dessa história, seria em seu clímax. Houve certa falha rítmica no desfecho, que exigiria mais ação que todo o resto da narrativa. Porém, não foi isso que aconteceu. Com um olhar mais atento, pode-se perceber certas lacunas a serem preenchidas nesse clímax (que foi seguido de uma decaída drástica na história), mas a escrita leve e fluida de Mankell foi capaz de compensar.
   A primeira coisa que me chamou a atenção visualmente no livro foram as bordas de suas páginas com a cor chamativa de verde escuro combinando com sua lombada. A diagramação, em compensação, foi simples e a capa bela, representativa.
   Um Passo Atrás não se mostrou apenas mais um livro de mistério. Ele realmente pode nos levar a pensar em que sociedade vivemos e em qual queremos viver. Mesmo tendo como foco a Suécia, não se pode deixar de pensar que o trabalho policial é precário e corrupto em vários outros lugares – e o Brasil não escapa. Portanto, em meio a todo o drama que envolve o leitor do início ao fim, há uma carga forte de realismo que nos envolve não só no suspense do enredo, mas em nossas próprias mentes.

Primeiro parágrafo do livro: “Parou de chover logo depois das cinco da tarde. O homem agachado ao pé da árvore tirou cuidadosamente o casaco. A chuva não havia durado mais do que meia hora, nem tinha sido forte, mas ele estava encharcado. Teve um acesso de raiva. Nõ queria se resfriar. Não agora, em pleno verão”.
Melhores quotes: “Nunca acreditei na maldade pura. Não há pessoas más. Ninguém carrega brutalidade em seus genes. Existem circunstâncias perversas e ambientes onde impera  maldade, não o mal em si”.
“Ele compreendeu que o passado e o futuro não existiam, que não se podia ganhar ou perder tempo, só a ação contava”.
“Nós nos perguntamos em que tipo de mundo vivemos, mas é doloroso demais encarar a verdade. É provável que o nosso maior receio já tenha acontecido: talvez o sistema de justiça já tenha entrado em colapso. Mais e mais pessoas se sentem ignoradas e descartáveis, e isso alimenta a escala de violência sem sentido que estamos presenciando. A violência se tornou parte da vida cotidiana. Reclamamos do que está se passando, mas às vezes acho que as coisas estão piores do que queremos admitir”.




Um Comentário

  1. Já pedi o meu. Agora a Companhia das Letras poderia quebrar nosso galho e disponibilizar os primeiros livros que estão esgotados em todos os lugares!

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