Livro: Birman Flint e o Mistério da Pérola Negra
Autor: Sérgio Rossoni
Editora: Chiado Editora
Páginas: 380
ISBN: 978-989-51-3898-2
Sinopse: O ano é 1920, e o mundo poderia ser o nosso se não fosse habitado por animais que se comportam e vivem como nós. Quando Birman Flint, repórter do Diário do Felino, ao lado do detetive Gallileu Ponterrouaux e do amigo Bazzou, se vê às voltas investigando o misterioso assassinato de Karpof Mundongovich, agente rudanês membro do Conselho Imperial do Czar Gatus Ronromanovich, não poderia sequer imaginar o destino sombrio que os aguardava, lançando-os em meio a uma conspiração repleta de intrigas e assassinatos, transformando-os em peças de um jogo diabólico envolvendo membros de uma antiga seita e um misterioso artefato capaz de alterar o rumo de suas vidas para sempre.

   O autor Sérgio Rossoni estreia agora na literatura com o primeiro livro do que pretende ser uma série: Birman Flint e o Mistério da Pérola Negra. Rossoni teve formação como psicanalista, envolvendo-se no universo de Freud e passando por conhecimentos a respeito das mazelas humanas, que pelo visto, tiveram seu grau de importância no livro. Também nutre uma paixão pelo universo artístico das tintas e pinceis, desenhando assim seus próprios personagens, algo que lhe foi ainda mais inspirador. Seu amor por gatos e seu interesse pela história antiga russa também se fundiram com glória nesta obra.
   Um mundo habitado por animais com uma consciência incrível a respeito do universo que os cerca – é neste cenário que se passa a narrativa intrigante de Rossoni. Todo o mistério começa quando Karpof Mundogovich, um camundongo que trabalha para o império rudanês, é assassinado por motivos, até então, inexplicáveis. Esse é o pontapé inicial para que o herói e jornalista investigativo, Birman Flint, um gato astuto e magricela, se envolva com a tal história. Seguido por amigos e autoridades da sua mais nobre confiança, Flint embarca numa aventura onde conhecerá um pouco mais da história de seu país – a Rudânia – e consequentemente, resolverá o mistério.
   O Império é formado há séculos pela dinastia Ronromanovich, uma família cuja história de seus líderes esconde segredos inimagináveis. Ligações com seitas e artefatos supostamente mágicos, dignos de fazê-los alcançar a glória. Porém, este império tão firme se vê ameaçado depois da morte de Mundogovich, que, por sua vez, deixou uma série de pistas que guiarão Flint e seus amigos até o objeto de sua busca e seu assassino. Em toda esta desenvoltura, Flint se vê diante da descoberta de enigmas que precisam ser desvendados e da tão lendária Pérola Negra, o grande amuleto do primeiro imperador Ronromanovich. Os segredos que algo tão simples e singelo pode esconder serão revelados apenas com uma procura sombria e valente do tão corajoso repórter.

   O gênero investigativo foi o que primeiro me instigou a ler a obra. Uma busca misteriosa envolve muitas coisas, então com certeza foi um livro que fugiu de clichês, embora sejam claras algumas influências. Os esquemas criptográficos, presentes na trama, tem uma referência inegável – seja ela direta ou indireta – com Edgar Allan Poe, especialmente no conto O Escaravelho de Ouro. Toda a mitologia envolvida também tem milhares de referências. De qualquer modo, Sérgio Rossoni tratou tudo com muita originalidade, adequando a sua escrita.
   A narrativa ocorre em terceira pessoa. Apesar de onisciente, o narrador não adentra muito nos pensamentos dos personagens, como se precisasse quebrar algumas barreiras para chegar até lá. Apesar de ter Flint como protagonista, o foco narrativo acaba mudando várias vezes em um mesmo capítulo, pondo em voga cada personagem com seus pensamentos e atitudes. Em muitos momentos, o livro pode parecer bastante enfadonho. As inúmeras e detalhadas descrições recheiam toda a história. A narrativa é muito excessiva em todos esses detalhes e toda uma imagem da trama forma-se na mente do leitor, fixando-se bem e facilitando o entendimento. Isso pode ser um obstáculo para quem busca narrativas rápidas, quando o que se tem com Birman Flint e o Mistério da Pérola Negra, é algo esmiuçado e uma escrita rica em seu vocabulário.


   O ponto mais inovador da obra foi, com toda a certeza, o fato de os personagens não terem sido seres humanos, mas sim, animais perfeitamente humanizados. Nunca havia lido algo do tipo, sendo esta uma narrativa que apenas pude observar em filmes e desenhos animados. Foi exatamente esta a imagem criada em minha mente ao longo da leitura: a história traduzida em uma produção cinematográfica. Ter animais em posições de soberania perante seres humanos – que foram completamente deixados de lado na narrativa – foi algo cativante, e não se pode deixar de pensar em como seria o mundo sem nós, humanos. E talvez tenha sido exatamente essa a idealização do autor.
   Outra marca que foi registrada e admitida numa nota de Rossoni ao final do livro, bem como em seu site, foi a admiração e curiosidade a respeito da família Romanov, que governou a Rússia – inspiração para seu universo fictício da Rudânia – por oito gerações e tem uma história repleta de suspeitas e dúvidas quanto ao cruel assassinato do Czar Nicolau II que pôs um fim ao período de governo Romanov, o que se iguala ao enredo criado por Rossoni, com uma pitada de criatividade e misticismo. Houve outras diversas inspirações para a composição de outros personagens e historicidades que ligaram de forma inovadora e surpreendente ao longo da narrativa.
   Mesmo os personagens tendo participações efetivas ao longo do enredo, deu para sentir a necessidade de uma melhor construção deles, especialmente do protagonista, que, mesmo sendo exaltado muitas vezes como um bom repórter e outras adjetivações, não conseguiu cativar mais por sua superficialidade. Da mesma forma ocorreu com os secundários, que, mesmo tendo uma construção narrativa muito boa, acabaram deixando a desejar quanto à suas personalidades e modos de pensar, deixando a leitura mais obscura do que o desejável (o que encaro com relutância nesse gênero).
   A obra ter feito uma ligação com a história real da Rússia, destacando suas dificuldades de estabelecer ligações com a China – com sua Máfia do Ópio do século XX sendo bem trabalhada, etc. – e sua falta de abertura de uma forma geral para com o resto do mundo, foi realmente impressionante, principalmente pelo fato de outros elementos fictícios terem sido acrescentados, dando assim mais vida à história. Porém, senti falta de um trabalho mais explicativo no que diz respeito, por exemplo, à Primeira Guerra Mundial, um conflito extremamente gigantesco para ser deixado de fora. Apesar disso, outros conflitos foram bem trabalhados e não posso negar que o foco foi interessante.
   A ilustração da capa, bem como a interior que faz referência à dinastia Ronromanovich, foram feitas pelo Ronaldo Barata, que, segundo o autor, retratou bem o universo por ele imaginado, e realmente, deu mais vida à história, que pôde ser tão bem ilustrada na imaginação também. Mesmo sendo um livro grosso e com uma narrativa lenta, sua leitura flui muito bem, e isso se deve, em partes, ao ótimo espaçamento entre letras em combinação com a fonte simples e de um tamanho adequado à uma leitura do tipo. Todos os elementos conversaram de forma satisfatória.
   Mesmo tendo uma história fantasiosa, envolvendo animais falantes e com um aspecto de desenho animado, o livro é bastante sério e com uma narrativa difícil de acompanhar pela sua riqueza de detalhes descritivos. Provavelmente, quem gosta de um daqueles livros de mistério e investigação que prendem facilmente a atenção, não se interessaria por tal obra. Porém, o misticismo foi muito envolvente e de fácil compreensão na dissolução do mistério do assassinato, deixando, enfim, o leitor ansioso para descobrir o desfecho de uma trama tão intrigante.

Primeiro parágrafo do livro: “O vento frio que soprava em direção às vielas próximas ao cais fazia um zumbido assustador e melancólico, que acompanhado pelo ruído da chuva batendo ferozmente contra o chão de pedra lembrava uma sinfonia macabra”.
Melhores quotes: “Do meu rugido surgirá a luz divina, que nos guiará por caminhos escuros”.
“— O que é a religião, senão o combustível capaz de mover um grande exército, devastando seus inimigos em nome de suas crenças? – sua reflexão soando como um questionamento, fitando sua presa com um olhar sombrio – Crenças estas que acabarão por estabelecer um novo período permeado por possibilidades infinitas, movidas puramente por uma engrenagem política cujo verdadeiro interesse não é outro senão poder e controle”.



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