Livro: Thomas e Sua Inesperada Vida Após a Morte
Título original: The Accidental After Life of Thomas Marsden
Autor (a): Emma Trevayne
Editora: Seguinte
Páginas: 240
ISBN: 9788555340109
Sinopse: Roubar túmulos é um negócio arriscado. É, na verdade, um péssimo negócio. Para Thomas Marsden, a partir de uma noite de primavera em Londres (véspera do seu aniversário de doze anos), esse passa a ser um negócio também assustador. Isso porque, deitado em uma cova recente, ele encontra um corpo idêntico ao seu. Esse é apenas o primeiro sinal de que alguma coisa muito esquisita está acontecendo. Muitos outros vêm em seguida, até que Thomas vai parar num mundo estranho, habitado por fadas e espiritualistas, onde a morte é a grande protagonista. Desesperado para conhecer a sua verdadeira história e descobrir de onde vem, Thomas vai ser apresentado à magia e ao ritual, e vai se dar conta de que, de vez em quando, aquilo que faz dele um garoto comum pode torná-lo extraordinário.

Emma Trevayne é escritora em tempo integral. Adora música e fotografia. Também escreve livros para o público juvenil, como Coda, seu primeiro romance, e a sequência Chorus. Dela, a Seguinte publicou Voos e Sinos e Misteriosos Destinos (2014). Já morou no Canadá, Inglaterra e Estados Unidos. Você pode segui-la no Twitter: @EMentior

   A vida de Thomas não se parecia em nada com a de um menino de (quase!) doze anos. Em primeiro lugar, ele trabalhava para ajudar nas despesas de casa, já que para a sua família — ele, a mãe e o pai — faltava tudo. Em segundo, essa sua ocupação era estritamente noturna, por isso o garoto não frequentava a escola. Em terceiro, seu ofício consistia em violar sepulturas em busca de algo valioso, como uma espécie de coveiro às vezes. Claro que Thomas não se sentia muito confortável com a atividade, mas já estava acostumado. Além disso, o contato com a morte andava em alta na Inglaterra, onde as pessoas ansiavam por contatar os mortos, recorrendo a espiritualistas que pipocavam mais e mais pela cidade, oferecendo serviços pouco confiáveis mas extremamente atraentes. 
   Essa era a vida de Thomas — e provavelmente continuaria sendo, a perder de vista. Mas, certa noite, um acontecimento inesperado muda tudo. Ao cavar uma cova fresquinha, ele dá de cara com o próprio corpo, estendido na terra, coberto apenas por um pedaço de pano e, enrolado nas mãos, um bilhete e três ingressos. Como era de esperar, Thomas começa a fazer perguntas, que os pais não querem responder. Determinado a não deixar isso quieto, o garoto sai em busca de sua história por conta própria e não somente descobre que não era quem pensava, como se depara com um mundo paralelo, para além da vida — onde vivem fadas e tudo é diferente. E se achamos que isso já é demais para um garoto de (quase!) doze anos, não sabemos nem o começo. Thomas tem um papel importante nesse mundo, cuja segurança, neste momento, depende exclusivamente dele. 

   Sempre fui um grande admirador do gênero fantástico, ainda que seja um gênero que leio com uma frequência bem menor que os demais. Se a fantasia for urbana e com um toque juvenil, melhor ainda! Quando a Seguinte publicou o primeiro livro de Trevayne aqui no Brasil, Voos e Sinos e Misteriosos Destinos, só em ver a capa e a sinopse, já fiquei com uma imensa vontade de ler. Parecia ao meu ver um romance diferente e, portanto, agradável para mim — uma pessoa fanática por coisas fora do comum. Contudo, apesar de já ter lido inúmeras críticas positivas, até hoje não cheguei a ler o livro — o que, consideravelmente, é uma pena. Mas foi pensando nisso que resolvi ler Thomas e Sua Inesperada Vida Após a Morte, novo livro de Emma, lançado recentemente pela Seguinte.
   Novamente fui ganho pela capa e, claro, pelo título — que, sim, é bem incomum e chamativo. Como eu nunca havia lido nada da autora, e não costumo simplesmente me basear em outras opiniões, estava neutro quanto as expectativas, pois, de alguma forma, eu já sabia que algo ia me agradar bastante — o enrendo, o personagem, o mistério por trás da trama e afins. Ao término da leitura, não me senti totalmente satisfeito, tampouco inteiramente desagradado. Eu diria que no todo minhas expectativas foram bem saciadas e, analisando o gênero, é uma grande aposta para os fãs de fantasia que curtem uma "pegada" mais juvenil.
   A narrativa é uma das melhores partes da obra. A autora, mesmo em terceira pessoa, consegue transmitir tudo que os personagens sentem e como refletem sobre suas ações, o que aproxima e torna mais real a relação leitor-personagem. Toda a estrutura narrativa, com diálogos bem construídos, é bastante direta e sem rodeios, o que a torna bastante ágil e significantemente envolvente. Para quem está acostumado com livros de início arrastado e bastante explicativo, vai se surpreender quando não encontrar isso em Thomas e Sua Inesperada Vida Após a Morte, pois o livro é recheado de intrigas e mistérios, onde tudo vai sendo contado pouco a pouco, o que nos prende até o desfecho da sagaz obra de Emma Trevayne, que escreve como se contasse a alguém uma história tão normal quanto o nascer do sol. 

Não. Cravo-de-Defunto não ia se render. Já estava farto de tudo aquilo. O que aconteceria coma afamada Sociedade Espiritual de Mordecai se cada uma das últimas fadas se recusasse a falar?
— Vamos tentar outros. Sr. Baker, por favor, visite-nos quando estiver pronto. E, agora, a encantadora irmã deste fino cavalheiro, Marcus Parrot, poderia, por favor, vir até nós.
Cravo-de-Defunto podia vê-la também. Com lágrimas no rosto, sozinha em uma massa de espíritos que se misturavam. Ela abriu a boca. Ele mordeu a língua.
   
   O que mais me chamou atenção, como já deixei meio caminho andado no parágrafo anterior, é a estratégia diferente de Trevayne no tocante a narrativa. E não somente a isso — acredito que todo o livro tem um diferencial bem notável dos demais que estamos acostumados a ter contato. De início, eu me sentia irritado por não ficar sabendo das coisas logo de cara, mas não podia reclamar! A autora não mostrou todas as cartas de uma só vez, mas não deixou que as coisas ficassem escuras por causa disso. Ela transformou essas cartas escondidas em um grande mistério, e isso é o que nos mantém até o fim presos a narrativa surreal e fantástica da obra. Eu só achei que para tanto mistério, poderia ter mais um pouco de características épicas e que realmente mexessem com a mente de quem lê. 
   Ambientando num cenário londrino, também senti falta de que a autora explorasse mais do lugar que, por sinal, é muito bonito. A autora se restringiu a cenas curtas, descritivas e com o uso de poucos cenários — o que de todo não foi tão ruim, já que centralizou mais o enredo. Fugindo um pouco... uma coisa que gostaria muito de ressaltar é que as opiniões divergem, como já sabem. Essa é de alguém que já está quase que na fase adulta — o que significa que os livros infanto-juvenis não tem mais o mesmo significado que antes. Mas eu tenho quase que total certeza de que para o público infanto-juvenil essa será uma obra prima da literatura fantástica — que trabalha com a mitologia das fadas de uma forma que você passa a vê-las com outros olhos. 
   Agora, sobre os personagens, fico sem saber como explicar o quão amáveis e reais todos eles foram! A autora foi bem superficial na criação dos personagens — a exceção de Thomas, já que vamos conhecendo-o pouco a pouco — e isso ajudou ainda mais a centralizar a obra e, claro, a diminuir o número de páginas. Thomas é um garotinho extremamente inteligente, dotado de ousadia e construído de modo que você jura — mas jura mesmo! — que ele não tem somente 12 anos. Suas atitudes são todas de alguém mais velho — algo bom, já que pode instigar nossas crianças a serem mais responsáveis, mesmo cedo. 
   Quanto aos personagens secundários, temos pouquíssimos deles, mas essa parcela mínima já tem uma importância salientada desde o início da obra. Após Thomas, temos em segundo plano, com extrema superficialidade, Lucy e Silas (pais de Thomas), Charley (único e melhor amigo do garoto), Mordecai (feiticeiro que tem parte fundamental no enredo), Cravo-de-Defunto e Rosa-da-Índia (duas fadas que ajudam Thomas em sua jornada rumo a descobrir quem ele realmente é). De modo geral, levando em conta o público alvo, o desenvolvimento dos personagens pode ser tomado como satisfatório.

As fadas sempre tiveram umas às outras, pelo menos. Proximidade além da conta, pode-se argumentar. Entre sua própria espécie. Já Thomas não teve nem uma coisa nem outra; ninguém em nenhum mundo sobre quem pudesse dizer o mesmo. 

   Esse seria o parágrafo para fazer críticas mais claras e sucintas, mas acredito que já as fiz com grande afinco nos parágrafos anteriores. Contudo, ainda tenho algumas coisas para esclarecer. Você não vai encontrar uma história perfeita, mas espero que tenha entendido que também não encontrará uma história mal feita. É mais um daqueles casos em que "teve seus pecados", mas também teve suas "bençãos". Basta tentar ver o lado bom de tudo que considerar como "pecado", certo? Por exemplo, o livro poderia ter uma pouco mais de ação, para que tudo não ficasse tão parado, mas, em compensação, teve um edição linda, mantendo alguns dos padrões originais. 
   A capa, sem dúvidas, além de extremamente coerente a uma das principais cenas do livro, onde Thomas encontra seu corpo no cemitério, é muito bela — principalmente em virtude do contraste entre cores escuras e algumas poucas claras. A diagramação e o design interno caprichado seguem os padrões de altíssima qualidade da editora e contam com orelhas, marcador, capítulos curtos, espaçamentos adequados e letras dispostas em um papel soft (amarelinho). E não encontrei erros de revisão!
   Por fim, ressalto que Thomas e Sua Inesperada Vida Após a Morte foi, sim, uma grata surpresa. É uma leitura leve, dinâmica e, se você se aprofundar mais um pouquinho, educativa. Pode ser que você não seja cativado (a) logo de início, mas eu garanto que, logo que começar a entender a jogada da autora, passará a se sentir dentro de um jogo que, mesmo com o final previsível, não deixará de ser interessante e, claro, emocionante. Mais que divertir e servir de entretenimento para um dia tedioso, esse livro lhe mostrará que as vezes a melhor e a maior magia que podemos ter é nossa própria vontade de fazer algo. Eu recomendo, sim, e peço que deem uma chance! Como dito, Thomas e Sua Inesperada Vida Após a Morte foi feito para agradar até os mais exigentes leitores do gênero. As crianças vão adorar — e não somente elas, claro!

Primeiro Parágrafo: "Thomas Marsden tinha onze anos quando cavou sua própria sepultura. Era o vigésimo nono dia de abril, mas só por mais poucos momentos; ele também teria onze anos só por mais poucos momentos. Quando acordasse de manhã, haveria um pequeno bolo de mel ao lado de sua tigela de mingau, e ele daria uma só mordida nele todos os dias, até acabar."
Melhor Quote: "A questão é: não é por que uma coisa é estranha que isso significa que ela não seja real."


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