Livro: Loney
Título original: The Loney
Autor (a): Andrew Michael Hurley
Editora: Intrínseca
Páginas: 304
ISBN: 978-85-8057-937-6
Sinopse: Quando os restos mortais de uma criança são descobertos durante uma tempestade de inverno numa extensão da sombria costa da Inglaterra conhecida como Loney, Smith é obrigado a confrontar acontecimentos terríveis e misteriosos ocorridos quarenta anos antes, quando ainda era criança e visitou o lugar. À época, a mãe de Smith arrastou a família para aquela região numa peregrinação de Páscoa com o padre Bernard, cujo antecessor, Wilfred, morrera havia pouco tempo. Cabia ao jovem sacerdote liderar a comunidade até um antigo santuário, onde a obstinada sra. Smith crê que irá encontrar a cura para o filho mais velho, um garoto mudo e com problemas de aprendizagem. O grupo se instala na Moorings, uma casa fria e antiga, repleta de segredos. O clima é hostil, os moradores do lugar, ameaçadores, e uma aura de mistério cerca os desconhecidos ocupantes de Coldbarrow, uma faixa de terra pouco acessível, diariamente alagada na alta da maré. A vida dos irmãos acaba se entrelaçando à dos excêntricos vizinhos com intensidade e complexidade tão imperativas quanto a fé que os levou ao Loney, e o que acontece a partir daí se torna um fardo que Smith carrega pelo resto da vida, a verdade que ele vai sustentar a qualquer preço. Com personagens ricos e idiossincráticos, um cenário sombrio e a sensação de ameaça constante, Loney é uma leitura perturbadora e impossível de largar, que conquistou crítica e público. Uma história de suspense e horror gótico, ricamente inspirada na criação católica do autor, no folclore e na agressiva paisagem do noroeste inglês.

Andrew Michael Hurley é autor de duas coletâneas de contos publicadas no Reino Unido e Loney é seu primeiro romance. Lançado originalmente em edição limitada - apenas trezentos exemplares -, o livro rompeu as fronteiras do mercado independente, recebeu resenhas elogiosas de todos os principais veículos de imprensa, conquistou o grande público e arrebatou o júri do prestigioso Costa Book Awards, rendendo a Andrew Michael Hurley o prêmio de melhor autor estreante de 2015. O autor mora em Lancashire, Inglaterra, onde leciona literatura inglesa e escrita criativa.

   Desde o final da década de 70, onde eventos perturbadores aconteceram em sua vida e na de seu irmão, Smith (como o narrador e um dos protagonista nos é apresentado) nunca mais tinha escutado o nome Coldbarrow. Ninguém que ele conhecesse o mencionava mais, e ele tinha feito um tremendo esforço para esquecê-lo. No entanto, ele sempre soube que o que ocorrera lá não permaneceria oculto para sempre, por mais que quisesse isso.  O irmão de Smith, Hanny (ou Andrew, como sua mãe o chama) agora é pastor e todo mundo já tinha ouvido falar dele, mesmo quem não tinha lido seus livros. E agora, com a notícia de Coldbarrow, parecia, ao ver de Smith, provável que falariam dele de novo, a menos que Smith colocasse tudo no papel e desferisse o primeiro ataque, por assim dizer. E é exatamente isso que ele faz, nos relatando como tudo verdadeiramente ocorreu na misteriosa e inexorável costa da Inglaterra, mais especificamente no lugar onde chamavam de Loney
   Smith gostava de dizer que o Loney era apenas um estranho e perigoso pedaço de lugar nenhum entre os rios Wyre e Lune ou uma porção indômita e inútil do litoral inglês, aonde Hanny e ele iam toda Páscoa com a mãe, Esther, o pai, sr. Smith, o sr. e a sra. Belderboss e o padre Wilfred, o sacerdote da paróquia. O motivo de tal peregrinação era Hanny, que possuía uma deficiência que era inaceitável para sua devotada mãe: a incapacidade de se comunicar e racionar com clareza. Toda Páscoa eles viajavam até lá, ao santuário do lugar, e a cada ano a fé de Esther era maior e mais extrema. Ela tinha certeza de que Deus curaria seu filho por meio de um milagre, e era por isso que ela sempre ia até o Loney, mesmo que Hanny não gostasse muito do lugar. 
   Na década de 70, a última vez que foram ao Loney, o padre Wilfred morreu misteriosamente semanas antes da viagem, o que colocou a fé de Esther à prova. Ela não queria um novo padre, ela sabia que correria o risco dele não ser tão rigoroso, devotado e experiente quanto Wilfred. Cabe então ao novo padre, Bernard, seguir em peregrinação com a família de Smith e mais alguns amigos próximos. Mas quando chegam na Moorings, residência da família no local, eventos suspeitos começam a acontecer, o que não é novidade, em virtude de que o Loney sempre foi impossível de se conhecer de verdade e sempre fora repleto de segredos e moradores estranhos e um tanto quanto peculiares. Mas, como Smith nos conta, na década de 70 as coisas foram diferente de tudo que eles já tinha vivido no lugar, mas ele faria com que os policiais acreditassem no que ele lhe dissesse. Que estavam (ele e Hanny) bem longe da Thessaly (outra residência do local) quando a coisa aconteceu. Que estavam correndo e fazendo a travessia de volta para o continente, tropeçando nos canais de água em meio ao nevoeiro, quando um único disparo ecoou ao redor do Loney e se perdeu no silêncio do areal.

   Pessoal, já faz mais de duas (ou três, não me lembro) semanas que eu terminei de ler Loney e fiquei pensando em como eu iria fazer uma resenha de uma obra tão enigmática, inexorável e brilhante quanto essa. Sinceramente, mesmo agora, eu não tenho certeza se conseguirei ser claro o suficiente com vocês, mas, a bem da verdade, já deixo uma dica: leiam! Eu fiquei louco para ler Loney desde o momento em que vi a capa e quando fiquei sabendo, através de resenhas, que ele, em detrimento do alto nível de compreensão e interpretação que necessita, não é um livro para qualquer um. Após uma breve pesquisada sobre o livro, descobri também que ele venceu algumas premiações importantes, mesmo o autor sendo um novato no ramo literário. Enfim, Loney foi elogiado por dezenas de críticas significantes dos Estados Unidos e da Inglaterra e, convenhamos, isso é suficiente para instigar a leitura até mesmo no mais descrente leitor. 
   Além disso, o livro é muito bem recomendado pelo autor Josh Malerman, de Caixa de Pássaros — ainda que a obra de Hurley só se compare a sua em características psicológicas inerentes ao gênero. Apesar de inúmeras distinções entre as obras, acredito que os fãs de Caixa de Pássaros, que o compreenderam e o elogiaram com afinco, vão experimentar novamente uma trama peculiar em Loney, e é quase certo que vão gostar do que as páginas revelam pouco a pouco. Nunca havia lido nada do autor porque este é seu romance de estreia, contudo é fato que lerei seus futuros livros (me tornei fã!). O gênero, em contrapartida, não é novidade e acredito que gostei mais do livro pelo apreço as características que compõem Loney, um romance gótico que mistura incomumente um horror silencioso com um leve suspense psicológico.
   A narração, feita preternaturalmente em primeira pessoa, debruça-se sobre a visão de Smith, irmão de Hanny, sobre todos os fatos. É uma das melhores narrações a que tive contato! Muitos alegaram que a narrativa, que é bem elaborada, fez com que o livro adquirisse um ritmo lento. Bem, não deixo de concordar que o ritmo é um pouco lento, mas é um lento bem escrito, poético e que, sem dúvidas, te instiga a continuar. Hurley escreve surpreendentemente bem e possuí uma despretensão assustadora que trilha ao lado de uma originalidade igualmente bem elaborada. Os capítulos são curtos e acompanhados de poucos diálogos, o que cria uma neutralidade significante no quesito ritmo. 

Ele tinha tirado o fuzil de debaixo do cobertor. Bateu continência para mim, fuçou o percursor, virou a mira e, antes que eu pudesse pedir que abaixasse o rifle, apontou-o na minha direção e puxou o gatilho.

   Se me perguntassem sobre o que eu mais gostei no livro, eu responderia que gostei particularmente de tudo, um pouquinho de cada coisa. Foi um livro muito especial para mim, mesmo que, de início, eu não tenha criado qualquer expectativa (talvez este seja o segredo!). Eu queria apenas lê-lo e foi o que fiz  —  as críticas e julgamentos eu deixei para quando terminasse de ler, e não antes. Loney, para um romance de estreia, é um livro muito bem feito  —  imagino que o autor passou anos trabalhando nele  — e que certamente se sobressai em meio a outros inúmeros estreantes. Eu realmente me senti surpreso com tudo, principalmente com a composição simples, despretensiosa e enigmática. Deixo claro, a bem da verdade, que aquele que esperar muita coisa irá se decepcionar um pouco. 
   A maioria espera grandes fatos e assustadoras cenas, mas não é dessa forma que as coisas acontecem em Loney (isso foi um pouco de marketing, na verdade), mas, claro, não significa que esses elementos não existam. Acontece que eles não existem da forma que a maioria de nós espera. O terror da obra, por exemplo, está nas entrelinhas, da mesma forma que o horror gótico  e silencioso está implícito, daí a necessidade de estar num momento bem good vibes quando fizer a leitura do livro  — o autor nos dá a oportunidade de pensar mil coisas diferentes, e para pensar você precisa primeiro compreender. Um ponto muito forte no livro é a religião, onde o autor se inspira na criação católica que teve, e toda essa questão é trabalhada com tanta formalidade e... não sei explicar direito, que nos sentimos ainda mais apegados a trama e com uma vontade vertiginosa de terminar logo o livro. 
   Os personagens também fazem parte um ponto que, além de importante, é inteiramente enigmático e, como um todo, descentralizado. Apesar de Smith narrar, não há ele ou Hanny como únicos protagonistas principais, mas toda a família dos dois garotos, os amigos e o padre Bernard, ou seja há um foco bem difuso onde nenhum se sobressai ao outro — o que, nesse caso, foi algo muito bem explorado pelo autor. Smith, que não tem o nome revelado em nenhum momento da narrativa, deixa poucos detalhes sobre si mesmo e foca com afinco na relação com o irmão deficiente, Hanny. A mãe dos dois garotos também é uma personagem que merece destaque. Esther é devotada ao extremo, mas a situação chega, em algumas cenas, a ser preocupante, pois é visível como ela não aceita o filho como ele é, e vive, ano após ano, atrás de um milagre. Os outros personagens merecem o mesmo destaque, pois todos eles são peculiares de alguma forma, mas, claro, não cabe aqui uma discriminação sobre todos eles. Logo, deixo claro que, como um todo, os personagens são muito bem desenvolvidos, com características distintas e localizados num cenário bem construído, sombrio e que beira quase o tangível. Sério, as coisas parecem bem reais e isso só acrescenta pontos positivos a obra. 

"Era impossível conhecer de verdade o Loney. O lugar mudava a cada afluxo e recuo das águas, e as marés revelavam os esqueletos daqueles que pensaram que poderiam escapar das suas traiçoeiras correntes. Ninguém jamais chegava perto da água. Isto é, ninguém exceto nós.”

   A edição está simplesmente maravilhosa! Eu sei que o livro pode estar um pouquinho caro, mas vale cada centavo. Tem capa dura, toda em preto com os detalhes em branco e, externamente, acompanhada de uma jacket muito bonita, que retrata com originalidade e verossimilhança o gênero e o cenário da trama de Hurley. A diagramação segue os padrões dos livros capa dura da Intrínseca e, a bem da verdade, muito se assemelha a uma Bíblia, Já o design interno é bem simples, mas feito com muito carinho para todos nós — tenho certeza disso! Não encontrei nenhum erro de revisão e a tradução parece ter seguido com bastante esmero os padrões e estilos do autor que realmente chegou para conquistar seu lugar. 
   Por fim, ressalto que me faltam palavras para explicar Loney, não que seja extremamente complexo. Não, não é isso, é apenas um livro bem diferente do que costumamos ter contato e, sendo sincero com vocês, é muito mais que um romance gótico e/ou de estreia, é um clássico da literatura, onde todas as suas características apontam para isso. Como ressaltou o Telegraph, "poucos romances de estreia são tão bem construídos, com um domínio tão seguro do tom". Acredito que os amantes de romances góticos, de suspenses leves e misteriosos e que curtem livros que apelam para uma crítica religiosa, vão encontrar em Loney o livro certo. Os fãs de Stephen King, Gillian Flynn, Josh Malerman e Edgar Allan Poe também certamente se sentirão satisfeitos com o romance de estreia de Hurley! Altamente recomendado. 


Primeiro parágrafo: "Sem dúvida tinha sido um fim tempestuoso para o outono."
Melhores Quotes:"É que, às vezes, é difícil percebermos as coisas sobre nós mesmos." 
"Tonto, a verdade nem sempre é imutável. De fato, nunca é. Existem apenas versões dela. E, às vezes, é prudente ser seletivo com relação à versão que escolhemos contar para as pessoas." 
"— Sim. Orar é como sintonizar um rádio.  — Como Assim? — É preciso estar na frequência certa. Caso contrário, tudo o que Deus ouve é estática."


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