Livro: Achados e Perdidos
Título original: Finders Keepers
Autor (a): Stephen King
Editora: Suma de Letras
Páginas: 350
ISBN: 978-85-5651-007-5
Sinopse: "— Acorda, gênio." Assim King começa a história de Morris Bellamy. O gênio é John Rothstein, um autor consagrado que há muito abandonou o mundo literário. Bellamy é seu maior fã — e seu maior crítico. Inconformado com o fim que o autor deu a seu personagem favorito, ele invade a casa de Rothstein e rouba os cadernos com produções inéditas do escritor, antes de matá-lo. Morris esconde os cadernos pouco antes de ser preso por outro crime. Décadas depois, é Peter Saubers, um garoto de treze anos, quem encontra o tesouro enterrado. Quando Morris é solto da prisão, depois de trinta e cinco anos, toda a família Saubers fica em perigo. Cabe ao ex-detetive Bill Hodges e seus ajudantes, Holly e Jerome, protegê-los de um assassino agora ainda mais perigoso e vingativo.

TRILOGIA "BILL HODGES"
    1.  Mr. Mercedes
    2.  Achados e Perdidos
    3.  Último Turno (03 de outubro de 2016 | Em pré-venda na Saraiva)

Stephen King é um dos autores mais consagrados da contemporaneidade e autor de mais de cinquenta livros best-sellers publicado no mundo inteiro. Os mais recentes são JoylandRevival, Escuridão Total sem Estrelas (vencedor dos prêmios Bram Stoker e British Fantasy), Doutor Sono, Sob a Redoma (que virou série de TV) e Novembro de 63 (que entrou no TOP 10 dos melhores livros de 2011 na lista do New York Times Book Review, ganhou o Los Angeles Times Book Prize na categoria Terror/Thriller e o Best Hardcover Novel Award da organização International Thriller Writers). Mora no Maine com a esposa e também escritora, Tabitha King.

    John Rothstein é escritor da trilogia consagrada do herói Jimmy Gold, um rapaz que sai de casa para viver grandes aventuras cheias de adrenalina e emoção, a figura perfeita que encantou milhares de jovens e provocou um sucesso inabalável no meio literário. Porém, seu escritor nunca foi uma pessoa muito fácil. Bastante anti-social, não era amigável com os holofotes e tinha uma postura rabugenta. Após terminar a trilogia (que todos achavam que havia sido mesmo finalizada), isolou-se de todos, vivendo em uma casa nos recônditos de New Hamsphire. O que ele não sabia é que seus escritos haviam conquistado um fã em especial, que não aceitou a forma como Rothstein finalizou o último livro. 
    Morris Bellamy teve uma vida conturbada desde a infância. A mãe exercia uma postura intimidadora e autoritária que fez com que o pai dele, alcoólatra e adúltero, saísse de casa e nunca mais voltasse. Tendo que viver com uma mãe que mal lhe dava atenção, encontrou consolo nos livros (a única coisa que parecia acalmar sua rebeldia latente), em especial na trilogia Jimmy Gold, onde se identificou bastante com o protagonista. Porém, o final daquela história lhe desagradou bastante, e a culpa era toda do escritor. Decido a resolver aquela situação, Bellamy, que já havia passado por maus bocados e tinha algumas companhias duvidosas, se aproveitou de tudo isso para encontrar a casa de Rothstein e assassiná-lo, levando consigo todos os cadernos onde Rothstein havia escrito nos últimos dezoito anos — entre eles estava o desfecho da história de Jimmy Gold.
    Bellamy mal podia esperar para devorar o final da história que tanto lhe conquistou, porém, não teve essa oportunidade e acabou preso. Entretanto, antes de ir para detrás das grades, escondeu todos os cadernos de Rothstein. Anos depois, o "tesouro" foi encontrado por Peter Saubers, na época com treze anos. Peter descobrira há pouco tempo, em leituras obrigatórias do colégio, a trilogia Jimmy Gold, e se encantou tanto quanto Bellamy quando tinha a mesma idade. O garoto guardou os cadernos durante mais de quatro anos. Nesse meio-tempo, Bellamy conseguiu sair da cadeia, e, sem poder esperar mais, foi atrás dos cadernos escondidos. Não os encontrando mais lá, percorreu uma trilha que acabou em Peter, já com dezessete anos. O rapaz então, tem que correr contra o tempo fugindo de um assassino que ameaça a paz de sua família.

    Nunca resisti a um thriller policial por ser um de meus gêneros preferidos. Porém, quando a autoria de Stephen King, a resistência é ainda menor. As comparações com outros livros do autor e com o primeiro livro da trilogia (Mr Mercedes, já resenhado aqui no blog) são inevitáveis e servem como referência. São os primeiros livros policiais que leio de King, e percebo que por ele se aventurar por este mundo, cria mais um elemento para o romance investigativo. Em comparação com Mr Mercedes, Achados e Perdidos é como um conto intermediário e avulso (embora tenham coisas que remetem ao último livro da trilogia), onde Bill Hodges, o protagonista das histórias, tem uma participação à parte, auxiliando apenas na manutenção do enredo como um todo.
    A narração ocorre em terceira pessoa, e diferente do primeiro livro, há foco em diversos personagens, não apenas em alguns (em Mr Mercedes, o foco era Hodges e Brady Hartfield, o grande vilão). King é um escritor que tem o que sabe conduzir uma história como poucos conseguem fazer, encaminhando tudo para um clímax e desfecho incríveis. As primeiras páginas remetem ao passado, onde é apresentado todo o histórico que deu origem a trama: como ocorreu o assassinato de Rothstein, a infância e adolescência de Bellamy, bem como sua passagem pela cadeia, os rumos que a família Saubers tomou... Enfim, uma série de fatores que deram complemento à história — todos bem divididos por períodos, o que facilita o entendimento.
 

    O mestre dos thrillers psicológicos não poderia decepcionar na descrição de sensações. King tornou uma história tão incomum bastante lúdica através dos efeitos que fizeram com que todas as cenas se desenrolassem facilmente e de forma convincente. Para quem já leu outras obras do autor sabe que isso é verdade e ele não abandonou esse estilo em Achados e Perdidos. O grande diferencial de King como escritor de romances policiais é que a história não conta com um mistério profundo que deve ser desvendado não apenas pelos personagens envolvidos, mas também pelo leitor (diferente de Dan Brown, Harlan Coben, Georges Simenon e até Agatha Christie, os consagrados do gênero). Pelo contrário, o leitor é o onisciente ao lado do narrador e isso faz com que torça para que os caminhos dos personagens sejam os corretos. E posso garantir que, com essa fórmula, os nervos ficam ainda mais à flor da pele.
     Até mesmo os personagens mais secundários tiveram capítulos em que se tornaram o foco narrativo. Holly, por exemplo, cujo foco senti falta em Mr Mercedes, e que exigia um pouco mais de atenção no enredo, mostrou bastante desenvoltura e desenvolvimento em comparação com o primeiro livro — o que foi ótimo, considerando que é uma das melhores personagens e um dos braços direito do protagonista. Porém, como já foi dito, desta vez Bill Hodges não ficou sob os holofotes. Peter e Morris tomaram todo o espaço e se mostraram personagens muito envolventes e cativantes. 
    Peter e Morris eram dois gumes de uma mesma faca, porém um mais afiado que outro. Pertencentes a gerações diferentes, ambos foram conquistados pelo mesmo autor, John Rothstein e sua obra, a trilogia Jimmy Gold. Todo o enredo se desenrola em torno da evolução da personalidade dos dois personagens. Morris é sem dúvida um maníaco, mas tem uma paixão por livros fácil de ser compreendida. Peter, desde jovem, nutre um amor enorme pela literatura e se inspira muito em Rothstein. Porém, o rapaz se intromete em um crime, e mesmo com sua ingenuidade, não pôde deixar de ignorar que encontrara algo valioso e de caráter duvidoso — a continuação da trilogia de Jimmy Gold. Pensando em sua família (e, no fundo, em sua ânsia como fã de Rothstein), ele resolve guardar por anos um segredo que pode custar sua própria vida. Ver o confronto destes dois gigantes tão diferentes e tão iguais, é um dos pontos altos da trama.
    Talvez a pouca importância de Hodges em um livro que faz parte de uma trilogia que o tem como protagonista me incomodou um pouco, embora tenha relevado e deixado esse detalhe um pouco de lado para permitir a leitura fluir como ela mesma sugeria. O personagem de Hodges surge apenas na metade da história e suas partes de foco acabam por ser enfadonhas. Jeromy, seu outro braço direito também não teve muito foco como no primeiro livro, embora seja um dos personagens mais cativantes — mais que a própria Holly —, porém o que se espera é que esse trio volte com força total no desfecho da trilogia, até porque alguns momentos do enredo sugerem visivelmente isso.
     A edição combinou muito com a de Mr Mercedes e foi tão encantadora quanto. As capas trouxeram os detalhes sempre significativos que permeiam a trama — todo esse conjunto conversa muito bem com o enredo e com o que ele sugere. Não encontrei erros de revisão e a estrutura dos capítulos ficou concisa, facilitando a fluidez que a obra aponta. O único adendo que tenho é quanto a tradução do título para "Achados e Perdidos", que é o nome da agência de investigação de Hodges e Holly, mas "Achado não é Roubado" — a tradução livre do título original — pareceria muito mais significativa.
    Achados e Perdidos foi o "fôlego" entre Mr Mercedes e Último Turno, que irá fechar a trilogia. Do início ao fim pôde-se observar cada detalhe da escrita genial de King e seus detalhes narrativos. O psicológico do leitor torna-se facilmente modelável quando se encontra um livro com a intensidade e a emoção de Achados e Perdidos. O fio que liga esta obra com sua antecessora é muito visível e apesar de ser dissonante da proposta inicial da trilogia, não deixa de ser instigante, afinal seu desfecho deixa muito claro como o trabalho do "Detetive Aposentado" Hodges terá continuidade e aguardo o retorno do vilão da história com muita ansiedade em Último Turno.

Primeiro parágrafo: "— Acorde gênio. Rothstein não queria acordar. O sonho estava bom demais. Mostrava sua esposa meses antes de se tornar sua primeira esposa, com dezessete anos e perfeita dos pés à cabeça. Nua e cintilando. Os dois nus. Ele, com dezenove anos, tinha graxa debaixo das unhas, mas ela não ligava, ao menos não na época, porque a cabeça dele estava cheia de sonhos, e era com isso que ela se importava. Ela acreditava nos sonhos ainda mais do que ele, e estava certa em acreditar. Naquele sonho, ela estava rindo e esticando a mão para a parte dele que era mais fácil de pegar. Ele tentou se aprofundar no sonho, mas alguém começou a sacudir seu ombro, e o sonho estourou como uma bolha de sabão".
Melhor quote: "Para os leitores, uma das descobertas mais eletrizantes da vida era a de que eles eram leitores, não apenas capazes de ler (o que Morris já sabia), mas apaixonados pelo ato. Desesperadamente. Incorrigivelmente".







Um Comentário

  1. Que resenha maravilhosa ❤️ fiquei com muita vontade de ler a trilogia agora. Já tinha visto alguns comentários sobre ela mas ainda não tinha parado para ler a resenha de nenhum deles.

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