TRILOGIA "TEARLING"
3. O Destino de Tearling
Felipe Erika Johansen, de 35 anos, cresceu e mora na San Francisco Bay Area. Estudou na Swarthmore College, completou seu mestrado na Iowa Writer's Workshop e mais tarde se tornou advogada. Johansen decidiu começar a escrever quando viu Stephen King, seu escritor favorito, ganhar o National Book Award em 2003, até que em uma noite de 2007, ela sonhou com o mundo de Tearling. Alguns dias depois, Erika assistiu a um discurso de Barack Obama que lhe deu inspiração para criar Kelsea, a heroína da série. Os direitos de filmagem foram comprados pela Warner Bros, tendo Emma Watson escalada como a protagonista. A frente do projeto está David Heyman, produtor de filmes como Harry Potter e O Menino do Pijama Listrado.
Este terceiro e último livro dá continuidade aos eventos de A invasão de Tearling, onde Kelsea é presa como refém pela Rainha Vermelha e lhe dá as safiras tear em troca da promessa de que a Rainha não ataque Tearling por ao menos três anos. Porém, os planos de ambas são frustrados: as safiras não funcionam nas mãos da Rainha e os soldados mort estão se rebelando contra ela – desde que fez a promessa a Kelsea, a Rainha ordenou a retirada de todos os soldados, sem que tivessem direito a saques e pilhagem, o que os chateou –, passando a trabalhar sob o comando de outro superior. Os soldados mort, então, se voltam contra Tearling. Fetch, disfarçado de Levieux, atiça a revolta entre os civis e tenta derrubar a falsa estabilidade de Mortmesne baseada na tirania da Rainha Vermelha. O reino tear se vê indefeso: sem Kelsea para defendê-los e com o exército desfalcado, Clava, o regente e capitão da Guarda Real, decide que precisa tomar medidas urgentes, sendo obrigado a escolher entre o reino e Kelsea.
Além disso, o fato de Kelsea ter libertado Rowland Finn (o demônio que falava com a Rainha Vermelha através do fogo) contribuiu para que o caos se espalhasse em todos os reinos. Row precisava da coroa desaparecida, que se encontrava sob posse do Pe. Tyler desde os acontecimentos no segundo livro. Com uma grande recompensa para que o encontrassem (tanto do reino de Tearling quanto da igreja), o padre continuava sumido. Culpando-se pela libertação de Row, Kelsea se une à Rainha Vermelha, que, relutante, admite que precisa de sua ajuda. Mesmo sem as safiras, Kelsea consegue ter vislumbres do passado, mas desta vez ela não está mais no corpo de Lily, e sim no de Katie, uma garota que nasceu na Nova Londres pós-travessia.
Katie era a melhor amiga do jovem Row, de apenas catorze anos. Ambos pertenciam à nova geração que nasceu logo depois da travessia, assim como o filho de Lily e William Tear, Jonathan Tear – conhecido pelas histórias como o segundo depois de William Tear e assassinado misteriosamente. Kelsea já tinha conhecimento que Row e Fetch foram os responsáveis pelo assassinato de Jonathan, mas através de Katie vê como tudo se desenrolou. Conhecendo o jovem Row e suas ambições, seu lado gentil com Katie, seus primeiros passos com o uso de magia das trevas, etc., Kelsea se pergunta se não apenas pode ver o passado, mas também modificá-lo, e principalmente: quais consequências alterar o passado traria para o presente?
"Força é o que sobra quando todas as outras opções foram exauridas" (p. 316).
Estava ansiosa pelo desfecho dessa trilogia, não pensei duas vezes antes de começar a ler assim que o livro chegou.
O primeiro não me deixou muito animada, apesar de a proposta ter sido interessante.
Com o segundo, consegui me prender totalmente a trama, pois não somente vi o desenrolar dos fatos no mundo de Kelsea, como também o mundo em que vivemos totalmente devastado por corrupções, desigualdade e tirania, percebendo que o livro era muito mais que uma mera ficção.
O terceiro trouxe um pouco da fórmula dos outros e muito mais. Sendo a trilogia
Tearling a estreia de Johansen no meio literário, posso afirmar que abriu com chave de ouro esse extenso caminho.
A escrita de Johansen é bastante descritiva e se prende a detalhes. Apesar de isso ser um problema para algumas pessoas, todos esses detalhes e descrições são essenciais para fazer da história o que ela é e permitir que nos envolva. Com os dois primeiros livros, demorou mais do que eu esperava para que a narrativa se tornasse frenética. Porém, em O destino de Tearling, a ação é notável desde as primeiras páginas e o ritmo absorve automaticamente, tornando o ato de largar o livro uma missão quase impossível. O narrador em terceira pessoa foca em vários personagens e faz com que entremos em suas histórias, emergindo no fantástico mundo criado por Johansen.
Kelsea, a protagonista, está mais forte do que nunca. Foi maravilhoso ver sua evolução. Enquanto no primeiro ela ainda era uma menina dando seus primeiros passos ao assumir o trono de um reino que mal conhecia, no segundo ela buscava não apenas justiça, mas sangue, dando vida a "dama de espadas" – uma espécie de outro "eu". Por fim, no terceiro, ela consegue encontrar o ponto de equilíbrio entre suas personalidades conflitantes e descobrir mais sobre si mesma – o poder que possui, as safiras, seu passado, sua família, etc. Mesmo não concordando com todas as suas atitudes, é impossível não admirar essa personagem forte e determinada, com uma beleza fora dos padrões – exatamente o oposto do protótipo já formulado de "mocinha" que temos na literatura e em outros produtos.
Evelyn Raleigh,
a Rainha Vermelha, também teve seu espaço na história. Depois de conhecermos melhor seu passado no
segundo livro, suas atitudes se tornam mais claras. Mortmesne está desmoronando aos poucos e
a Rainha vê como única alternativa se unir a Kelsea. Foi interessante observar a interação entre as duas personagens, pois
uma é o oposto da outra,
mas têm pontos em comum e havia até certa empatia regando a inusitada aliança.
Fetch, que era visto por muitos como um mocinho disfarçado de vilão, tem suas
fraquezas reveladas e seu
senso de moral – praticamente nulo – começa a despontar. Quando
Katie entra em cena, através das visões de Kelsea, nos deparamos com
outra personagem forte e que, apesar de se sentir confusa a respeito das intenções de Row, seu grande amigo de infância, sabia diferenciar o certo do errado.
A partir desses
vislumbres do passado, começamos
a conhecer Row e a realidade em que ele vivia: o Tearling em seus primeiros sinais de civilização, muito antes de levar esse nome – apenas Nova Londres –, ainda vivendo aquilo que William Tear havia idealizado desde o princípio. Também
vemos como todo esse sonho ruiu. Outros personagens entram em cena, como
Javel, o antigo guarda do portão que está em missão em Mortmesne em nome de Kelsea;
Aisa, que em determinado momento da trama decide superar os traumas do passado e trilhar o próprio caminho;
Brenna, a bruxa que busca vingança em nome de Allan Thorne;
Ewen, o carcereiro da Fortaleza que sonha em se tornar um Guarda Real, entre outros. Todos são muito bem trabalhados, cada qual com suas características e motivações.
"– Uma população descontente vai desgastar até o estado mais seguro. Mas mesmo se a segurança fosse algo possível de se alcançar pela força, Lear, pergunte a si mesmo: quanto a segurança é importante? Por ela é válido minar regularmente todos os princípios sobre os quais uma nação livre foi fundada? Que tipo de nação você vai ter, então?" (p. 298).
Como falei antes, a trilogia
Tearling não se resume a uma distopia com cenário medieval ao fundo. Johansen claramente utiliza uma
série de referências que tangem a nossa realidade. A todo momento as personagens de Kelsea e Katie se questionam sobre os seus princípios – até onde devem ir para fazer o que é correto? Vale mesmo a pena se igualar a seus inimigos para defender aquilo que acredita? Uma série de questões morais permeiam todo o enredo, e mostram que
nem mesmo as melhores personagens estão livres de cometer erros. Johansen criou um mundo fictício que serviu como
a metáfora perfeita do nosso mundo: ideias feitas para funcionar, mas que sempre acabam em catástrofe quando envolvem ambições e egoísmos próprios do ser humano. Ela trabalha o conceito de ideologia envolvido na formação do Tearling para mostrar que as boas intenções podem ser transformadas em algo ruim quando postas em prática.
No segundo livro, vemos William Tear idealizando "o mundo melhor" – como dizia o lema de seu movimento –, mas neste desfecho
vemos como esse mundo ruiu e se transformou no caos governado por Kelsea.
A história aponta, em suas entrelinhas, o perigo de ideologias mal interpretadas e aplicadas, o quão fácil é para nós esquecermos do passado (e como diria Nitzsche, por isso estamos fadados a viver um ciclo eterno, onde faremos todas as coisas se repetirem. É o que diz Cazuza também em O tempo não para: "eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades"). Também mostra o quão arriscado é concentrar o poder nas mãos de um só líder e como isso pode ser o fio tênue para chegar ao autoritarismo – pois, por mais que William Tear não desejasse essa alcunha, bastou que todos os vissem como ditador para que ele se tornasse um e, consequentemente, resvalando o sentimento para Jonathan.
O desfecho foi satisfatório para mim. Os mistérios formados no início da trilogia se abriram gradualmente ao longo do livro, tornando a história um grande quebra-cabeça, mas ainda deixou muitas pontas soltas (que como a própria autora disse, ficarão mesmo sem respostas, e pediu perdão por isso). Ela também comenta, em seus agradecimentos, o seu grande objetivo ao escrever uma trilogia como essa, e, por incrível que pareça, ele corresponde exatamente ao que senti desde o primeiro livro:
"[...] estou determinada a fazer esse reino ecoar a vida, onde respostas às nossas perguntas não são entregues em um pacote lindo com uma fita, mas precisam ser conquistadas, por experiências e frustrações, às vezes até lágrimas (e, acreditem, nem todas essas lágrimas são de Kelsea). Às vezes, as respostas não vêm".
A capa deste último livro continua combinando bem com a dos dois primeiros (azul e vermelho, respectivamente). Adotar cores vivas deu um toque especial à trilogia, obtendo magia por toda parte quase literalmente. As ilustrações que ajudaram a ornamentá-la a fizeram ainda mais bonita que as originais, publicadas pela editora americana HaperCollins. A Suma mais uma vez está de parabéns, pois mudou sua marca, mas felizmente a qualidade permanece. Não encontrei erros de tradução ou revisão e a diagramação polida vista nos dois primeiros continua presente. O mapa no início (presente também nas versões originais) foi de grande ajuda, mas continuo sentindo falta de ver um mapa completo, que abranja toda uma página (ou que sangre para duas, como normalmente ocorre).
No final das contas, tudo o que queremos é um mundo melhor, assim como William Tear, Lily Freeman, Kelsea Glynn, Clava, Pen, Aisa, Pe. Tyler e até mesmo Evelyn Raleigh. Um mundo onde nossas vidas têm valor e são cercadas de respeito e solidariedade mútuos. O que a trilogia Tearling ensina é que, mais do que lutar, precisamos acreditar naquilo que estamos lutando. Johansen recheou sua história de magia e ficções inacreditáveis como visões e viagens no tempo, de um clima medieval estranho a nós, leitores contemporâneos. Mas também pôs muita verdade: sistemas políticos baseados em corrupção e ambições, ricos ficando cada vez mais ricos, pobres ficando cada vez mais pobres, fundamentalismo religioso que privilegia grupos específicos, entre outras coisas pelas quais estamos cercados. Por isso, apesar de se tratar de uma história fictícia, provavelmente foi uma das melhores trilogias que já tive o prazer de conhecer. Finalizo esta resenha (e este ciclo de Tearling) indicando os três livros não apenas como passatempo, mas como leituras realmente necessárias.
Primeiro parágrafo: "Muito antes de a Rainha Vermelha de Mortmesne chegar ao poder, o Glace-Vert já era uma causa perdida. Não passava de uma área de taiga esquecida na sombra das montanhas de Fairwitch: as planícies endurecidas possuíam apenas uma leve sugestão de grama, e os poucos vilarejos eram meros aglomerados de cabanas e brejos. Poucos arriscavam se aventurar ao norte de Cite Marche se não houvesse outra opção, pois a vida naquelas planícies era dura. A cada verão os aldeões de Glace-Vert sofriam com o calor sufocante; a cada inverno, congelavam e passavam fome".
Melhores quotes: "O erro da utopia é presumir que tudo vai ser perfeito. A perfeição pode ser a definição, mas nós somos humanos, e mesmo para a utopia levamos nossas dores, erros, invejas e desgostos. Não podemos renunciar aos nossos defeitos, mesmo com a promessa do paraíso no horizonte, e, por isso, planejar uma nova sociedade sem levar em conta a natureza humana é destinar essa sociedade ao fracasso".