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07 junho, 2016

{Resenha} Uma vida no escuro — Anna Lyndsay

Livro: Uma Vida No Escuro
Título original: Girl in the Dark
Autor(a): Anna Lyndsey
Editora: Intrínseca
Páginas: 247
ISNB: 978-85-8057-882-9
Sinopse: Anna Lindsey era jovem e ativa. Tinha acabado de comprar um apartamento e estava apaixonada. Então, o que começou como uma ligeira intolerância a certos tipos de luminosidade artificial evoluiu para uma sensibilidade grave a qualquer tipo de luz. Agora, durante as piores crises, Anna fica meses a fio trancada em um quarto totalmente escuro, onde passa horas ouvindo audiolivros e inventando intrincados jogos de palavras numa tentativa de afastar o desespero. Em épocas de intolerância menos severa ela ousa se aventurar cautelosamente na penumbra e encara um mundo que, pela perspectiva de dua existência enclausurada, é repleto de uma beleza estonteante. Ao lado dela em tudo isso está Pete, seu amor e deu alicerce, cuja presença impede de ser aterrada pela solidão. Escrito com beleza, leveza e honestidade, Uma Vida no Escuro é o impressionante relato da determinação da autora para tornar suportável uma vida aparentemente impossível. Uma história que impressiona não apenas pela raridade do quadro médico de Anna, mas também pelo modo como ela ns conduz com tamanha clareza por um lugar de absoluta escuridão, fazendo-nos encarar o mundo e a luz de uma forma completamente nova.

Anna Lindsey é um pseudônimo usado pela a autora de Uma Vida no Escuro para relatar suas memórias em forma de experiência com sua doença de fotossensibilidade. Mudando detalhes de identificação dos personagens reais que foram retratados no livro, reconstituiu os diálogos de memória, contando com a ajuda de outras pessoas para que o livro fosse digitado, já que escreveu tudo à mão na escuridão ou penumbra que lhe cabia.

      Anna estava no caminho para uma vida estável e independente, estava realizando seus sonhos ao comprar um apartamento e manter seu emprego no Ministério Público da Inglaterra, além de estar vivendo um grande amor. Então os problemas começam a surgir. Seu rosto passa a arder sempre que entra em contato com a luz artificial de lâmpadas e computadores. A partir daí o problema evolui para o resto do corpo, que se torna sensível não apenas a luz artificial, mas a todos os tipos, obrigando Anna a viver em total escuridão, visto que sua rara doença configura como um dos piores casos de fotossensibilidade. Muda-se para a casa de Pete, seu namorado, já que não consegue mais viver sozinha quando depende de alguém que cuide da casa e faça suas refeições, entre outras coisas essenciais para suas sobrevivência.
   A situação chega a pontos extremos, obrigando Anna a se enclausurar em um quarto completamente vedado para que não entre nenhum raio de luz. Passando seus dias na escuridão, para que não se sinta presa nem coberta de pensamentos ruins sobre sua vida e tudo o que acabou perdendo por conta da doença, ela cria jogos, atividades e hobbies para passar o tempo ocupada de alguma forma. Seus métodos funcionam na maioria das vezes, mas nem sempre conseguem espantar os sentimentos de solidão e melancolia que se apoderam dela. As coisas começam a melhorar em determinadas épocas, mas com leves recaídas. Enfrentando seus altos e baixos, Anna passa uma verdadeira lição de persistência e superação.

"É melhor viajar com esperança que chegar e saber que a esperança se foi. Enquanto houver um caminho diante de mim, enquanto houver coisas na minha lista que ainda não tente, estou protegida do desespero. Mesmo quando cada episódio se revela infrutífero, toda vez que aprendo alguma coisa por esforço próprio, mesmo que essa coisa seja a eliminação de mais uma possibilidade — então posso passar para a próxima" (p. 214). 

   O que eu esperava de um livro de memórias sobre alguém que passa a maior parte da vida no escuro, seria algo dramático e com o velho clichê da moral da história, dos belos ensinamentos, da superação bela e exemplar e tudo isso de forma superficial. Mas Uma Vida no Escuro superou minhas expectativas. Foi profundo e seu drama foi totalmente sincero e humanizado, longe de toda a artificialidade que eu costumo esperar desses gêneros. Abordando assuntos como depressão e suicídio de formas sutis, sem deixar nada da escrita impecável transparecer na forma de tabu que tais temas trazem, ela conseguiu promover um debate interno que passa da sua história para quem a lê.
   A narração ocorre em primeira pessoa na voz de Anna. Divide-se em duas partes: a primeira conta as fases iniciais da doença e como ela demonstrou toda sua gravidade deixando Anna em total desespero; já a segunda é um período de adaptação da personagem e quando seu quadro passa a ter algumas oscilações de melhora. É uma narrativa minuciosa, cheia de floreios simples e ao mesmo tempo, elegante — provavelmente fruto da absorção da linguagem dos inúmeros livros que a protagonista costuma ler e ouvir, dos quais tira inspiração para sua vivência, e assim, as narrativas se mesclam de forma "limpa". O uso de metáforas é bastante recorrente, o que torna a escrita descritiva e poética até certo ponto. Porém, mesmo sendo muito detalhada, a leitura não se torna enfadonha, e isso se deve a três fatores perceptíveis: o uso de períodos curtos e de palavras simples, e a profundidade da escrita, tornando o enredo envolvente. Mantém um diálogo com leitor de forma interativa, indicando os jogos para o escuro, que servem para tirá-la do tédio quando tem que ficar dentro do quarto vedado.

"Quando termino um livro, percebo que não consigo começar outro logo em seguida. Cada história precisa de tempo para se assentar em minha mente, para ser digerida como um jantar de muitos pratos. Avançar rápido demais seria até um desrespeito com os personagens — afinal, passei horas na companhia deles, conheci suas histórias, acompanhei momentos importantes de suas vidas" (p. 15-16).

     A preocupação da autora em narrar com riqueza de detalhes as etapas mais importantes de suas vida antes e depois da doença, faz com que tenhamos todas as sensações que a mesma teve — em um nível menor, claro. O ato de se pôr na pele não é apenas uma consequência da profundidade contida na obra, mas o fato de que o leitor tem conhecimento de que tudo aquilo é real. É possível então, imaginar como seria se fosse conosco. A situação invertida deixa tudo em um nível maior de entendimento. O mais incrível com certeza é o poder que a autora tem de deixar as coisas mais simples e corriqueiras serem absorvidas por uma aura poética inabalável, modificando a visão das coisas, já que para ela, certos momentos tem de ser aproveitadas ao máximo, pois suas oportunidades são limitadas. Também acaba impondo seu senso de humor com tudo o que lhe acontece, apesar de às vezes soar amargo.
   Os personagens são descritos com a visão sincera da protagonista. Talvez pelo fato de que ela tenta manter a discrição quanto as pessoas citadas no livro (inclusive o de seu próprio marido, que leva o nome de Pete), os personagens acabaram não sendo muito profundos e suas personalidades foram descritas superficialmente. Em compensação à superficialidade dos demais personagens, Anna desvela-se com honestidade e sem pudores diante do leitor. O livro acaba se tornando um verdadeiro diário (que era a intenção da escritora no início), deixando à mostra os sentimentos conflitantes de Anna, e, como pano de fundo, os acontecimentos de sua vida — narrados com um parâmetro único, e revelador.
    Algo que pode parecer incômodo durante a leitura é a forma como a autora guiou o enredo, podendo ser caracterizada como uma personagem circular. Ela descreve todos os acontecimentos que a marcaram e após passar por evoluções, acaba voltando ao mesmo ponto – aquela velha história de "gira, gira e gira no mesmo lugar". Mas essa é apenas uma impressão, e, ao chegar ao final, pude notar que ela é equivocada. A personagem tem um desfecho tocante. Em nenhum momento deixa de lado sua personalidade, e é neste fator que sua evolução apresenta-se clara e realmente importante.
     A capa ficou bonita, mesmo sendo simples. A simplicidade da diagramação foi contrastante e ajudou ainda mais na fluidez da leitura. A revisão desta edição também se mostrou impecável, sem erros, pelo que pude notar. Muitas notas de tradução foram inseridas ao longo do livro, fora de rodapés mas dentro de colchetes ao lado do original em itálico. Encarei esse detalhe como algo bom, visto que é importante que se tenha uma noção de como é o original, que por vezes, pode fazer mais sentido dentro do contexto. Apesar de o livro ser bastante emotivo no geral, contém descrições técnicas a respeito da doença e formas de tratamento, bem como o quadro evolutivo de Anna, acrescentado por ela mesma.
    Uma Vida no Escuro traz a tona uma situação incomum, da qual, particularmente, nunca ouvi falar. Mas, no todo, é capaz de superar as expectativas de uma autobiografia tocante. De forma excepcional, Anna consegue tocar no âmago de seu problema de um jeito que, se nos pormos no lugar dela, valorizamos assim cada ponto de luz que bate em nossa pele e vemos sentido em fazer coisas simples, como olhar para a tela de um computador ou assistir televisão. Um verdadeiro exemplo de superação que não passa de mais um relato perfeitamente humano, mostrando uma forma de sobrevivência, aceitação (da própria Anna e daqueles que ama) e adaptação. Todos os problemas podem ser enfrentados — essa é a conclusão que se pode tirar dessa obra — por mais peculiares e engenhosos que sejam.

Primeiro parágrafo do livro: "É muito difícil deixar um quarto totalmente escuro. Primeiro, forro as cortinas com um material corta-luz, um tecido grosso que parece plástico e que tem um tom estranho de bege. Mas a luz se infiltra sem a menor dificuldade: por cima, passa pelo espaço entre o trilho e a parede; embaixo, pelas ondulações das dobras do tecido".
Melhores quotes: "A amizade brota de uma sementinha discreta e, com o tempo, ganha raízes fortes que envolvem nosso coração. Quando um romance termina, a árvore é arrancada depressa, numa operação dolorosa, mas clara. Já a amizade murcha silenciosamente, e sempre resta a esperança de que vá brotar de novo. Só depois de um tempo reconhecemos sua morte, e então passando anos arrancando do peito suas velhas fibras ressecadas".
"O amor é impermeável à razão. E as palavras são maravilhosas".



2 comentários:

  1. Oi Bianca
    N sei se estou 'preparada' p ler algo tão real assim
    Mas vou anotar pra ler depois!

    Bjooos
    muitospedacinhosdemim.blogspot.com.br

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  2. Achei bem interessante, não conhecia, mas fiquei curiosa sobre como vai terminar e se ela vai se curar, vou incluir na minha próxima leitura.
    https://souadultaagora.blogspot.com.br/

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